sexta-feira, julho 29, 2011

Livre como um pássaro

Morre John Stott, teólogo britânico que ajudou a construir a Igreja contemporânea.Nos últimos anos, o pastor e teólogo britânico John Stott já não podia, em função da idade, praticar uma de suas paixões: a ornitologia. Aficionado pela observação de pássaros, era nos bosques do Reino Unido que ele passava boa parte de suas horas de folga, com binóculo em punho, máquina fotográfica a tiracolo e o inseparável caderninho de anotações. Desavisados poderiam pensar que era apenas mais um idoso preenchendo o ócio da aposentadoria. As aparências enganam. Ali estava um dos gigantes da fé cristã contemporânea, que ajudou a construir a Igreja Evangélica ao longo do século 20. Teólogo brilhante, pastor apaixonado, filantropo convicto, conferencista eloquente, escritor inspirado e idealista de vanguarda, Stott deixou esta vida no dia 27 de julho, em Londres, de causas naturais, aos 90 anos. Livre como os pássaros que ele tanto amava.
No seu último aniversário, em abril, amigos, colaboradores e parentes mais chegados – Stott era solteiro e não tinha filhos – fizeram uma reunião com ele na casa de repouso onde vivia. O encontro teve inegável caráter de despedida. “Já sabíamos o que estava para acontecer. Stott deixou um exemplo impecável para lideres de ministérios em todo o mundo – amor pela Igreja global, paixão pela fidelidade bíblica e amor pelo Salvador”, define Benjamin Homam, presidente de John Stott Ministries, entidade criada pelo pastor para apoiar líderes cristãos ao redor do mundo. A instituição é apenas uma parte do imenso legado espiritual daquele que, segundo David Brooks, colunista do New York Times, seria eleito papa, caso os protestantes tivessem um.

“SIMPLES E COMUM”
Nascido em família abastada, John Robert Walmsley Stott era filho de sir Arnold Stott, médico da Família Real. Criado na Igreja Anglicana com as três irmãs, ele fez sua decisão por Cristo aos 18 anos de idade. A mente privilegiada levou-o à prestigiada Universidade de Cambridge, onde graduou-se em letras. Ali, conheceu a Aliança Bíblia Universitária e sentiu o chamado para o pastorado. Formou-se em teologia no Seminário Ridley Hall e logo assumiu o púlpito da Igreja Anglicana All Souls (“Todas as almas”), onde ministrou durante três décadas, sempre disponível às ovelhas apesar da agenda cada vez mais apertada.
Capelão da Coroa Britânica entre 1959 e 1991, foi neste período que o ministério de Stott atingiu seu maior esplendor. Protagonista do movimento conhecido como Evangelho integral, ele organizou, na companhia do evangelista Billy Graham e outras lideranças, o Congresso Internacional de Evangelização, em Lausanne (Suíça), em 1974. O evento entrou para a história da Igreja Cristã por lançar as bases de uma abordagem da fé inteiramente contextualizada à sociedade, sem, contudo, abrir mão dos princípios basilares do Evangelho, consubstanciada no Pacto de Lausanne. Fundou ainda o London Institute for Contemporary Christianity, em 1982.
John Stott escreveu cerca de 40 livros e percorreu o mundo como convidado especial em cruzadas, congressos e solenidades. Esteve no Brasil duas vezes. Numa delas, reuniu cerca de 2 mil pastores no Congresso Vinde em 1989, com outro tanto do lado de fora por falta de espaço. Em todas estas viagens, sempre recusou hospedagem em hotéis cinco estrelas. Não costumava nem repetir refeições. “Quando comemos um segundo prato, alguém está deixando de comer o primeiro”, dizia. Tudo a ver com alguém que, ao morrer, possuía apenas um sítio e um apartamento e definia dessa maneira o que é ser evangélico: “É ser um cristão simples e comum.”
Fonte:Cristianismo Hoje

quinta-feira, julho 28, 2011

O Que é Piedade?

As Institutas, escritas por João Calvino, fizeram-no receber o título de “o sistematizador preeminente da Reforma Protestante”. Com freqüência, a reputação de Calvino como um intelectual é vista separadamente do contexto pastoral e espiritual em que ele escreveu sua teologia. Para Calvino, o entendimento teológico e a verdade, a piedade e a utilidade prática são inseparáveis. Antes de tudo, a teologia lida com o conhecimento — conhecimento de Deus e de nós mesmos; mas não há conhecimento verdadeiro, onde não há piedade verdadeira.
O conceito de piedade (pietas) ensinado por Calvino se fundamentava no conhecimento de Deus, incluindo atitudes e ações direcionadas à adoração e ao serviço de Deus. Além disso, a pietas de Calvino incluía uma hoste de temas relacionados, tais como o amor nos relacionamentos humanos e o respeito à imagem de Deus nos seres humanos. Essa piedade é evidente em pessoas que reconhecem, por meio da fé experiencial, que foram aceitas em Cristo e enxertadas no corpo dEle, pela graça de Deus. Nesta “união mística”, o Senhor declara essas pessoas como pertencentes a Ele, tanto na vida como na morte. Elas se tornam povo de Deus e membros de Cristo pelo poder do Espírito Santo. Este relacionamento restaura-lhes o gozo da comunhão com Deus e recria-lhes uma nova vida. Liberta-as da escravidão ao mundanismo carnal.
O propósito deste texto é mostrar que a piedade de Calvino é uma resposta suficiente ao problema do mundanismo; seu conceito de piedade é algo que conquista o nosso coração. A piedade de Calvino é bíblica, com uma ênfase no coração mais do que na mente. A mente e o coração devem trabalhar juntos, mas o coração é mais importante.
A definição e a importância da piedade
Pietas é um dos grandes temas da teologia de Calvino. Como nos diz John T. McNeill, a teologia de Calvino é a “sua piedade descrita em profundidade”. Ele estava determinado a confinar a teologia aos limites da piedade. No prefácio dirigido ao rei Francisco I, Calvino afirma que o propósito em escrever asInstitutas era “transmitir unicamente certos rudimentos pelos quais aqueles que possuem zelo pelo cristianismo podem ser moldados na verdadeira piedade [pietas]”.
Para Calvino, pietas designa a atitude correta de um homem para com Deus. É uma atitude que inclui conhecimento verdadeiro, adoração sincera, fé salvadora, temor filial, submissão e amor reverentes. Saber quem e como Deus é (teologia) envolve atitudes corretas para com Ele e fazer o que Ele deseja (piedade). Em seu primeiro catecismo, Calvino escreveu: “A verdadeira piedade consiste em um sentimento sincero que ama a Deus como Pai e O reverencia como Senhor; apropria-se de sua justiça e teme mais o ofendê-Lo do que o enfrentar a morte”. Nas Institutas, João Calvino é mais sucinto: “Chamo de piedade aquela reverência unida ao amor a Deus, o amor que é fruto do conhecimento de seus benefícios”. Esse amor e reverência para com Deus é um acompanhamento indispensável a qualquer conhecimento de Deus e abrange todos os aspectos da vida. Conforme afirmou Calvino: “Toda a vida dos crentes deve ser um tipo de prática da piedade”. O subtítulo da primeira edição das Institutas dizia: “Incluindo quase todo o resumo da piedade e qualquer coisa necessária para se conhecer a doutrina da salvação: Uma obra muito digna de ser lida por todos os zelosos por piedade”.Os comentários de Calvino também refletem a importância de pietas. Por exemplo, ele escreveu sobre 1 Timóteo 4.7-8: “Você fará algo de grande valor se, com todo o seu zelo e habilidade, se dedicar unicamente à piedade [pietas]. A piedade é o começo, o meio e o fim do viver cristão. Onde ela é completa, não há falta de nada... A conclusão é que devemos concentrar-nos, exclusivamente, na piedade, pois, uma vez que a tenhamos atingido, Deus não exige de nós qualquer outra coisa”. Comentando 2 Pedro 1.3, Calvino disse: “Quando Pedro fez menção da vida, acrescentou imediatamente a piedade [pietas], como se esta fosse a essência da vida”.
O alvo supremo da piedade: Soli Deo Gloria
O alvo da piedade, bem como de toda a vida cristã, é a glória de Deus — a glória que resplandece nos atributos de Deus, na estrutura do mundo, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. No que diz respeito a todos os que são verdadeiramente piedosos, o glorificar a Deus supera a salvação pessoal. Por isso, Calvino escreveu ao cardeal Sadoleto: “Não é uma teologia bastante saudável confinar os pensamentos de um homem a ele mesmo e não apresentar-lhe, como motivo fundamental de sua existência, o zelo pela glória de Deus... Estou convencido: não existe nenhum homem que possua a piedade verdadeira e não considere como insípida aquela extensa e laboriosa exortação em favor do zelo pela vida celestial, um zelo que o mantém totalmente dedicado a si mesmo e que não o desperta, nem mesmo por uma única expressão, a santificar o nome de Deus”.O alvo da piedade — que Deus seja glorificado em nós — é aquilo para o que fomos criados. Portanto, o nascido de novo anela por vivenciar o propósito de sua criação original. De acordo com Calvino, o homem piedoso confessa: “Somos de Deus; vivamos e morramos para Ele. Somos de Deus; sejamos governados por sua sabedoria e vontade em todos os nossos atos. Somos de Deus; em harmonia com isso, devemos segui-Lo como nosso único objetivo lícito, em todo os aspectos de nossa vida”.Deus redime, adota, santifica o seu povo, para que sua glória resplandeça neles e os liberte da busca pelo egoísmo ímpio. O profundo interesse do homem piedoso é Deus mesmo e suas coisas — sua Palavra, sua autoridade, seu evangelho, sua verdade. O homem piedoso tem intenso desejo de conhecer mais a Deus e de ter mais comunhão com Ele como o seu único alvo.Mas, como glorificamos a Deus? Calvino escreveu: “Deus nos prescreveu uma maneira pela qual Ele pode ser glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste na obediência à sua Palavra. Aquele que ultrapassa esses limites não está honrando a Deus; pelo contrário, está desonrando-O”. A obediência à Palavra de Deus significa refugiar-se em Cristo para o perdão de nossos pecados, conhecê-Lo por meio de sua Palavra, servi-Lo com um coração repleto de amor, praticar boas obras em gratidão por sua bondade e exercitar auto-renúncia, a ponto de amar os nossos inimigos. Esta resposta envolve rendição total a Deus mesmo, à sua Palavra e à sua vontade.
Calvino disse: “Ofereço-Te meu coração, Senhor, imediata e sinceramente”. Esse é o desejo de todos os que são verdadeiramente piedosos. Contudo, esse desejo pode ser realizado apenas por meio da comunhão com Cristo e da participação nEle; pois, fora de Cristo, até a pessoa mais religiosa vive para si mesma. E apenas em Cristo os piedosos podem viver como servos voluntários, soldados leais de seu Comandante e filhos obedientes de seu Pai.

Tradução: Wellington Ferreira
Revisão: Tiago Santos
Copyright: © Editora FIEL 2009.

Texto extraído do livro: Vencendo o Mundo – 1ª Edição, cap. 4 – Beeke, Joel. Editora Fiel, São José dos Campos, SP. 2009.

O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.

sábado, julho 23, 2011

O Grande Reavivamento na Inglaterra no Século XVIII

A condição moral deplorável em que se encontra o nosso país quase dispensa comentário. A impiedade e perversão dos homens, que cada dia mais têm trocado a verdade de Deus pela mentira, mudando a glória do Deus incorruptível, adorando e servindo a criatura ao invés do Criador, têm suscitado a ira de Deus sobre o Brasil. Por isso, Deus tem entregue nosso povo à imundícia, pela concupiscência de seus próprios corações. E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem toda sorte de coisas inconvenientes e aprovarem os que assim procedem (Rm 1.18, 23, 24, 25, 28, 32).

A Inglaterra Antes do Reavivamento do Século XVIII
Esse estado de impiedade e depravação pode, às vezes, nos levar a pensar que a situação é irremediável e que não encontra paralelo na história de outras nações. Nem uma coisa nem a outra é verdade. A Inglaterra da primeira metade do século XVIII caracterizava-se pela impiedade, corrupção e imoralidade. As trevas espirituais assolavam todas as camadas sociais daquele país. A terra de muitos reformadores e dos puritanos decaiu tanto, que “a corrupção, a desonestidade e o desgoverno nos altos postos era a regra, e a pureza, a exceção”.
A Igreja da Inglaterra, na sua grande maioria, jazia inerte, sem nenhum vigor. Os sermões, meros ensaios morais, nada podiam fazer no sentido de despertar, converter e salvar os pecadores. “As importantes verdades pelas quais Hooper e Latimer tinham ido para a fogueira, e Baxter e muitos dos puritanos, para a prisão, pareciam ter sido totalmente esquecidas e colocadas na prateleira.”
Um conhecido advogado cristão da época afirmou que visitou todas as mais importantes igrejas de Londres, e que não ouviu “um único dis- curso que apresentasse mais cristianismo do que os escritos de Cícero, e que lhe seria impossível descobrir, do que ouvira, se o pregador era um seguidor de Confúcio, de Maomé ou de Cristo!”
Os bispos e arcebispos da época, na sua grande maioria, eram homens mundanos; tão mundanos que houve casos em que o próprio rei teve de intervir para restringir a impiedade deles. Para se ter uma idéia da situação, conta-se que, quando a pregação de Whitefield começou a incomodar o clero, foi sugerido com seriedade pelo próprio clero que a melhor maneira de dar um fim à sua influência era torná-lo um bispo. Quanto ao clero paroquial,
Ryle afirma que “seus sermões eram tão indizível e indescritivelmente ruins, que é reconfortante lembrar que eram geralmente pregados a bancos vazios”. A verdade é que a situação moral da Inglaterra na primeira metade do século XVIII era tão baixa, que condutas reprováveis e comuns hoje no Brasil, como a prática do adultério, fornicação, jogo, linguagem obscena, profanação do domingo e bebedice, também não eram consideradas coisas condenáveis na Inglaterra na primeira metade do século dezoito. Estas eram as práticas da moda nas camadas mais elevadas da sociedade da época e não escandalizavam ninguém.

A Transformação da Inglaterra na Segunda Metade do Século XVIII
Na segunda metade do século XVIII, a Inglaterra mudou. Foi radicalmente transformada. Isto porque milhares de pessoas foram transformadas. Trabalhadores e membros das classes mais elevadas tiveram sua moral e costumes transformados. Como diz Nichols, “forte entusiasmo apoderou-se da vida religiosa da Inglaterra, afugentando a indiferença e o desinteresse” que marcou a primeira metade do século XVIII. “Que uma mudança, para melhor, aconteceu na Inglaterra nos últimos cem anos”, a- firma Ryle no final do século XIX, “é um fato que, eu suponho, nenhuma pessoa bem informada jamais tentaria negar... Houve uma grande mudança para melhor. Tanto na religião quanto na moral, o país passou por uma completa revolução. As pessoas não pensam, não falam, nem agem como faziam em 1750. Este é um fato, que os filhos deste mundo não podem negar, por mais que tentem explicá-lo”. Foi nesse período que surgiram as obras sociais de caráter cristão, as escolas dominicais — “um dos primeiros passos na educação popular da Inglaterra” —, a abolição do comércio de escravos, as reformas nas prisões, hospitais, bem como o moderno movimento missionário que alcançou muitos países na Ásia, África e Américas. A transformação que a Inglaterra experimentou foi tão grande, que muitos historiadores afirmam que, não fora isto, fatal-mente o país também sofreria as agruras de uma revolta interna, como a Revolução Francesa. A estas trans-formações também se atribui a ascensão da Inglaterra à posição de líder entre as nações no século passado.

Os Instrumentos de Transformação da Inglaterra
O que operou essa transformação? A que se deve tamanha mudança? Ryle observa acertadamente, que “o governo do país não pode reivindicar o crédito pelas mudanças. Moralidade não pode vir à existência através de decretos-lei e estatutos. Até hoje as pessoas jamais vieram a ser religiosas por meio de atos parlamentares”. A Igreja da Inglaterra, como instituição, também não pode reivindicar este crédito. Os bispos, arcebispos e clero que descrevemos há pouco jamais poderiam ser os instrumentos de tal obra.
Qual, então, foi a fonte e quais os instrumentos de tamanha transformação? Deus foi a fonte; e uma dúzia de homens simples, a maioria ministros da Igreja da Inglaterra, foram os instrumentos. Aprouve a Deus escolher alguns de seus servos fiéis; não eram poderosos, nem pessoas de nobre nascimento. Entretanto, foram estes homens humildes, mas fiéis, que Deus escolheu para envergonhar os fortes, a fim de que ninguém se vanglorie na presença dEle.
George Whitefield, John Wesley, William Grimshaw, William Romaine, Daniel Rowlands, John Berridge, Henry Venn, Samuel Walker, James Harvey, Augustus Toplady e John Fletcher, soberanamente escolhidos, habilitados, ungidos e revestidos de especial graça, sacudiram a Inglaterra de um extremo ao outro com a antiga arma apostólica da pregação. “A espada que o apóstolo Paulo empunhou com poderoso efeito, quando tomou de assalto as fortalezas do paganismo dezoito séculos atrás”, escreve Ryle, “foi a mesma espada pela qual eles obtiveram suas vitórias”. Tendo contemplado a glória de Deus mais vividamente (como Paulo, na estrada de Damasco, e Estêvão, ao ser apedrejado); tendo sido o amor de Deus derramado em seus corações pelo Espírito Santo; tendo recebido em seus espíritos o testemunho direto do Espírito Santo, a respeito do seu bendito relacionamento com Cristo, e estando cheios de uma alegria indizível e cheia de glória, tais homens anunciaram o Evangelho de Cristo de modo simples, direto, ousado e cheio de fervor. “Proclamavam as palavras de fé com fé, e a história da vida, com vida. Eles falavam com ardente zelo, como homens que estavam totalmente persuadidos de que o que diziam era verdade”.
O que pregavam esses homens? Todo o conselho de Deus, especialmente doutrinas como a suficiência e a supremacia das Escrituras, a total corrupção da natureza humana, a morte expiatória de Cristo na cruz, a justificação pela graça mediante a fé, a necessidade universal de conversão e de uma nova criação pelo Espírito Santo, a união inseparável da verdadeira fé com a santidade pessoal, o ódio eterno de Deus pelo pecado e o seu amor pelos pecadores. Eles não hesitavam em proclamar clara e diretamente às pessoas “que elas estavam mortas e precisavam viver; que se encontravam culpadas, perdidas, desamparadas, desesperadas e em perigo iminente de destruição eterna”. “Por mais estranho e paradoxal que pareça a alguns”, afirma Ryle, “o primeiro passo deles no propósito de tornar bom o homem, foi mostrar que este era completamente mau; e o argumento primordial deles, no sentido de persuadir as pessoas a fazerem alguma coisa por suas almas, era convencê-las de que não podiam fazer nada por elas”. Eles também “nunca recuaram em declarar, nos termos mais claros, a certeza do julgamento de Deus e da ira porvir, se os homens persistissem na impenitência e incredulidade; e, apesar disso, nunca cessaram de magnificar as riquezas da bondade e da compaixão de Deus e de conclamar todos os pecadores a arrependerem-se e voltarem-se para Deus, antes que fosse tarde demais”.

Conclusão
Foram estes os homens e esta, a pregação que Deus usou como instrumentos para reavivar a Igreja na Inglaterra e, assim, transformar completamente o país. Através desses instrumentos de Deus, muitos crentes foram levados a renovar sua aliança com o Senhor e passaram a viver uma vida cristã vigorosa e cheia de frutos; milhares foram profundamente convencidos de seus pecados, foram levados ao mais sincero arrependimento, compreenderam a graça de Deus em Cristo Jesus e por ela foram alcançados; e muitos — que até se opunham — foram secretamente influenciados e estimulados. Foram estes os homens e estas, as doutrinas, os quais, nas mãos de Deus, “tomaram de assalto as fortalezas de Satanás”, conclui Ryle, “arrancando milhares como que tições do fogo, e mudaram o caráter da época”. Foram estes os homens — sinceros e fiéis - e esta, a pregação — viva, verdadeira e ungida - que aprouve a Deus escolher para reavivar sua Igreja e trans- formar a Inglaterra na segunda metade do século dezoito. Abençoa-nos também, ó Deus, livra-nos da incredulidade, testifica diretamente em nosso espírito que somos teus filhos, pois cremos nisso, derrama o teu amor em nossos corações pelo teu Espírito, que em nós habita; concede-nos a mesma alegria indizível e cheia de glória. Reaviva a tua obra em nosso país.

sexta-feira, julho 15, 2011

O Verdadeiro Escândalo da Mentalidade Evangélica

Alguns anos atrás, editei um volume de ensaios sobre Bibliologia, com Paul Helm. Pouco antes da data limite de entrega dos trabalhos para apreciação, o projeto foi "citado e ridicularizado" por um pregador de uma conferência teológica de grande influência, como sendo uma tentativa moderna de reafirmar a Bibliologia de B. B. Warfield. Passados alguns dias, um dos colaboradores me mandou um e-mail, dizendo que estava preocupado porque seu nome estava sendo associado a tal projeto. Pude assegurar-lhe que o projeto não tinha a intenção de defender a posição de Warfield, mas que era uma exploração do conceito de inerrância, visto que esse conceito se relaciona tanto com Deus, quanto com sua Palavra. O cavalheiro teve sua confiança restaurada e permaneceu no quadro de colaboradores, mas o incidente serviu simplesmente para confirmar em minha mente algo que suspeitava havia muito tempo: muitos acadêmicos evangélicos querem unir o útil ao agradável. Eles querem a piedade e, talvez, o palco que o evangelicalismo lhes oferece; mas também desejam ser aceitos por aqueles que figuram nos círculos de doutores das universidades.
É lógico que o problema está no fato de que não se pode servir a dois senhores. Como o Senhor já disse: "ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro".
Tempos Estranhos e uma Teologia Incerta
Vivemos em tempos estranhos. Raramente um ano se passa sem haja alguma conferência, em algum lugar, sobre o futuro da igreja; com pelo menos um pregador ou, às vezes, até mesmo uma lista de pregadores que, de modo controverso, representam exatamente o tipo de teologia que tem esvaziado os bancos das igrejas, eliminado a pregação e assassinado o compromisso com o evangelho.
Recentemente, vi um panfleto de uma dessas conferências, no qual havia um elogio a um grande pensador e crítico evangélico. Porém, o palestrante mais importante dessa conferência representava exatamente o tipo de teologia enganosa à qual o pensador elogiado havia devotado toda sua vida ridicularizando. Realmente, são tempos estranhos.
O que está acontecendo? Qual é o porquê dessa necessidade covardemente desprezível de receber aceitação da maior parte do mundo?
Por que os Acadêmicos Evangélicos Desejam a Aceitação do Mundo?
Suspeito que haja muitas razões para esse problema. Primeiro, o contexto do evangelicalismo se presta exatamente a esse tipo de confusão. De fato, o evangelicalismo não compreende o que ele próprio é. Ele é um movimento baseado na experiência (novo nascimento), nos compromissos teológicos ou em instituições para-eclesiásticas? É aí que está a dificuldade: O primeiro fator (experiência) se degenerará num mero misticismo subjetivo se não estiver associado ao segundo (compromissos teológicos). O segundo fator tem sido bem discutido entre os evangélicos, os quais nem mesmo concordam em relação à resposta à pergunta de Pilatos: "O que é a verdade"? E o terceiro (instituições para-eclesiásticas) muitas vezes faz parte do problema para definir o segundo ou, no caso específico dos Estados Unidos, passa a ser menos ministério e mais um meio para cultuar celebridades, vulnerável ao tipo de crítica feito por Erick Hoffer; que afirmou que toda grande causa começa como um movimento, torna-se um negócio e termina como uma oportunidade para extorsão. O evangelicalismo é uma bagunça lamentável; não é puro, nem simples.
Em segundo lugar, se um movimento não sabe o que ele mesmo é, então não pode fazer qualquer exigência satisfatória em relação aos que pertencem a ele e aos que não pertencem. Os limites de um movimento acabam se revelando por aquela pessoa que mais se aproxima do fato de pertencer, mas que, no entanto, não pertence ao movimento. Ário é um antigo exemplo disso na igreja. Por mais elevada e exaltada que fosse sua visão de Cristo, ele ainda era capaz considerá-lo simplesmente como uma criatura e não como completamente Deus. O limite estava traçado e Ário estava fora dele. Combine os problemas de definição da identidade evangélica com a atual inclinação cultural para não excluir quem quer que seja, e você terá uma receita entorpecedora para um desastre total. Diga coisas agradáveis sobre Jesus, tenha um sentimento cordial quando alguém acender uma vela e seja bondoso com sua avó e – e instantaneamente! – você é um membro; você pode ser um evangélico. Dessa forma, teremos aqueles que negam a substituição penal; que não têm qualquer noção significativa da autoridade bíblica, da exclusividade de Cristo na salvação, da justificação pela graça, por meio da fé e da singularidade da salvação. Não importa: apenas enfatize que Jesus era um cara legal e divertido; articule algumas frases que pareçam ortodoxas; fale com um tom apaixonado e você também poderá ter seu certificado de membrezia e fazer um discurso de apresentação. E se as conferências que mencionei acima forem um indício de como as coisas estão, é sinal que temos sido enganados por esses ardis o tempo todo.
Em terceiro, seria como se houvesse um complexo de inferioridade evangélico generalizado. Isso significa que ao mesmo tempo em que desejamos não excluir quem quer que seja, tememos ser excluídos. Naturalmente, num mundo tão mal definido, é sempre uma tentação para um acadêmico evangélico, fazer as coisas do modo mais fácil ou permanecer calado acerca de alguns compromissos doutrinários mais embaraçosos, a fim de obter um pouquinho mais de influência naquele palco um pouquinho maior, do outro lado do mundo. Essa é uma tentação específica dos eruditos e sistematistas evangélicos, cujas grandes associações são completamente antipáticas ao tipo de sobrenaturalismo e reivindicações das verdades antiquadas, sobre as quais os estatutos de suas igrejas foram amplamente constituídos. Ao fazermos isso, enganamos a nós mesmos, dizendo que, de algum modo, estamos fazendo a obra de Deus; pois se temos artigos publicados neste periódico ou por aquela editora, estamos realmente fazendo progressos na cultura incrédula das faculdades teológicas. Não que essas coisas não sejam boas e dignas – eu mesmo faço esse tipo de coisa – mas precisamos ter o cuidado para não confundir realizações acadêmicas profissionais com a edificação dos santos ou com o fato de marcarmos pontos para o reino de Deus.
Conforme James Barr destacou anos atrás, continua sendo verdade que os acadêmicos evangélicos somente são respeitados no mundo acadêmico exatamente por aqueles pontos nos quais eles são menos evangélicos. Existe uma diferença entre respeitabilidade acadêmica ou erudita e integridade intelectual. Para um cristão, esta depende da aprovação de Deus e está arraigada na fidelidade à sua Palavra revelada. Isso nem sempre significa jogar conforme as regras das associações acadêmicas.
O que os Nossos Acadêmicos Precisam é de Ambição... Mas Não Daquele Tipo
Finalmente, pouquíssimos acadêmicos evangélicos parecem ter muita ambição. Talvez isso soe estranho: o desejo de manter o direito de posse de uma posição na universidade; de publicar com certas editoras; de palestrar em certas conferências acadêmicas; de trocar idéias com os chefões das associações – todas essas ambições parecem muito comuns; entretanto, a verdadeira ambição, a verdadeira ambição cristã, certamente se baseia na edificação da igreja e no serviço ao povo de Deus, e se direciona para isso. Mas é exatamente nesse ponto que os acadêmicos evangélicos falham de modo tão evidente. De forma geral, o impacto que os eruditos evangélicos têm obtido no mundo acadêmico tem sido irrisório e, muitas vezes (conforme mencionado) confinado àquelas áreas em que suas contribuições têm sido insignificantemente evangélicas. Se o mesmo tempo e energia fossem dedicados à edificação dos santos, imagine como a igreja poderia estar transformada.
Isso não significa dizer que não devemos permitir a erudição substancial, nem que as necessidades de um homem ou de uma mulher do banco da igreja sirvam de critério pelo qual a relevância deva ser julgada; mas é afirmar que toda a erudição teológica deve ser realizada com o alvo primordial de edificar os santos, confundir os oponentes do evangelho e encorajar os irmãos. A façanha mais elevada que um teólogo evangélico erudito pode alcançar não é ser membro de alguma associação elitista, mas sim obter o conhecimento de que ele tem trabalhado para fortalecer a igreja e expandir o reino de Deus, por meio da igreja local.
Está chegando o dia em que as elites intelectuais e culturais do evangelicalismo – instituições e indivíduos – terão de enfrentar uma árdua decisão. Vejo a crise se aproximando em duas frentes de batalha diferentes, mas intimamente ligadas. Primeira, está chegando a hora e, talvez já tenha chegado, em que crer que a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus, imposta por Ele e totalmente verdadeira, será, na melhor das hipóteses, um suicídio intelectual e na pior delas, um sinal de doença mental. Segunda, articular qualquer forma de oposição ao homossexualismo será o mesmo que advogar em favor da supremacia da raça branca ou do abuso de crianças. Nesses tempos, a escolha será clara. Aqueles que se mantiverem nas fileiras cristãs serão óbvios, e aqueles que têm gastado suas vidas tentando servir tanto aos ortodoxos quanto aos acadêmicos descobrirão que nenhum contorcionismo intelectual poderá salvá-los. A preocupação com o fato de serem associados a B. B. Warfield será a menor delas.
Anos atrás, Mark Noll escreveu um livro, The Scandal of the Evangelical Mind ("O Escândalo da Mentalidade Evangélica"), no qual ele argumentava que o escândalo residia no fato de não haver tal mentalidade evangélica. No que diz respeito aos eruditos evangélicos e à sua erudição, eu discordo, o escândalo não está no fato de não haver uma mentalidade evangélica; mas no fato de existir, em nossos dias, um pequeno evangelho muito valioso.


Traduzido por: Waléria Coicev

Copyright:
© 9Marks 2010
© Editora FIEL 2010.
Traduzido do original em inglês:
 The Real Scandal of the Evangelical Mind - Publicado por 9Marks.
O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.

sexta-feira, julho 08, 2011

9Marcas de Uma Igreja Saudável: Mark Dever

Que tipo de liderança uma igreja saudável possui? Uma congregação, comprometida com Cristo, preparada para servir? Sim. Diáconos que são modelos de serviço nos assuntos da igreja? Sim. Um pastor que é fiel na pregação da Palavra de Deus? Sim. Mas biblicamente, há uma outra coisa que também faz parte da liderança de uma igreja saudável: presbíteros.
Como pastor, eu oro para que Cristo levante na nossa congregação homens cujos dons espirituais e cuidado pastoral indiquem que Deus os chamou a serem presbíteros ou bispos (as palavras são usadas indistintamente na Bíblia; veja por exemplo, em Atos 20). Eu oro para que Deus faça crescer e capacite tais discípulos para o trabalho de supervisão pastoral da nossa congregação e para o seu ensino. Se ficar claro que Deus concedeu dons a certo homem na igreja, e se, depois de muita oração, a igreja reconhece seus dons, então ele deveria ser escolhido como um presbítero.
Todas as igrejas tiveram indivíduos que executaram as funções de presbíteros, mesmo que lhes tenham chamado por outros nomes. O dois nomes usados pelo Novo Testamento para este ofício são episcopos (supervisor, bispo) e presbuteros (presbítero, ancião). Quando evangélicos ouvem a palavra "presbítero", muitos imediatamente pensam em "presbiteriano", contudo os primeiros congregacionalistas, no século XVI, ensinavam que o presbiterato era um dos ofícios em uma igreja neotestamentária. Presbíteros podiam ser encontrados nas igrejas batistas nos Estados Unidos ao longo do século XVIII e no século XIX. De fato, o primeiro presidente da Convenção Batista do Sul, W. B. Johnson, escreveu um tratado no qual ele pedia que a prática de ter uma pluralidade de presbíteros fosse reconhecida como bíblica e seguida em um número maior de igrejas batistas. O argumento de Johnson foi ignorado. Seja por desatenção para com a Bíblia, ou pela pressão da vida na fronteira onde as igrejas estavam crescendo a uma taxa surpreendente, a prática de cultivar tal liderança declinou. Mas a discussão em documentos batistas quanto a reavivar este ofício bíblico continuou. Até no início do século vinte, publicações batistas continuavam se referindo a líderes pelo título de "presbíteros".
Batistas e presbiterianos tem tido duas diferenças básicas nas suas compreensões quanto aos presbíteros. Primeiro e fundamentalmente, batistas são congregacionalistas. Quer dizer, eles entendem que o discernimento final nos assuntos da igreja repousa não com os presbíteros em uma congregação (ou além dela, como no modelo presbiteriano), mas com a congregação como um todo. Então, batistas dão ênfase à natureza consensual de ação da igreja. Portanto, em uma igreja batista, os presbíteros e todas as outras comissões e comitês agem no que é, em última instância, uma capacidade aconselhadora para a congregação inteira.
Uma nota adicional se faz necessária sobre a autoridade da congregação reunida. Nada diferente da congregação local reunida é o tribunal final de apelação sob Cristo. Sempre de novo no Novo Testamento, nós achamos evidência do que parecia ser uma forma primitiva de congregacionalismo. Em Mateus 18 quando Jesus estava ensinando os Seus discípulos sobre como confrontar o irmão pecador, o tribunal final não é o grupo de presbíteros, nem um bispo ou um papa, nem um conselho ou uma convenção. O tribunal final é a congregação. Em Atos 6, os apóstolos entregaram a decisão quanto aos diáconos para a congregação.
Nas cartas de Paulo, também encontramos evidência desta suposição da responsabilidade final da congregação. Em 1 coríntios 5, Paulo não culpou o pastor, os presbíteros ou os diáconos, mas a congregação como um todo por tolerar o pecado. Em 2 Coríntios 2, Paulo refere-se ao que a maioria deles tinha feito disciplinando um membro errante. Em Galatás, Paulo conclamou as congregações para julgarem o ensino que eles estavam ouvindo. Em 2 Timóteo 4, Paulo não reprovou somente os falsos mestres, mas também aqueles que os pagavam para ensinar o que aqueles que tinham coceira nos ouvidos queriam ouvir. Os presbíteros lideram, mas eles assim fazem biblicamente e necessariamente dentro dos limites reconhecidos pela congregação.
A segunda discordância é quanto ao papel e responsabilidades dos presbíteros. Presbiterianos tenderam a dar ênfase à declaração de Paulo a Timóteo em 1 Timotéo 5:17, "Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino." A última frase, alguns argumentaram, claramente sugere que haviam anciões cujo trabalho principal não era pregar ou ensinar, mas governar ou reger. Esta é a origem da distinção entre os “presbíteros regentes” (presbíteros leigos) e “presbíteros docentes" (pastores) presbiterianos.
Mas "especialmente" (ou “com especialidade”) é uma tradução questionável da palavra malista que, neste contexto, fica melhor traduzida por "certamente" ou "particularmente”. Um pouco antes em 1 Timóteo 4:10, lê-se, "porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente (malista) dos fiéis." Paulo parece estar indicando que tantas pessoas serão salvas sem crer quantas dirigirão os negócios da igreja sem pregar e ensinar: em outras palavras, nenhuma.
Batistas tenderam a dar ênfase ao caráter intercambiável dos termos "presbítero” (ou “ancião”), "bispo" (ou “supervisor”) e "pastor" no Novo Testamento, e mostraram que em 1 Timóteo 3:2, Paulo falou a Timóteo claramente que os anciões devem ser "aptos a ensinar." E ele escreveu a Tito que o presbítero deve ser "apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem" (Tito 1:9). Os batistas, portanto, freqüentemente negaram a conveniência de ter presbíteros que não são capazes de ensinar as Escrituras.
Porém, no que os batistas e os presbiterianos do século dezoito freqüentemente concordavam, era que deveria haver uma pluralidade de presbíteros em cada igreja local. Embora o Novo Testamento nunca sugira um número específico de presbíteros para uma congregação em particular, ele refere-se claramente a "presbíteros", no plural, nas igrejas locais (por exemplo, Atos 14:23; 16:4; 20:17; 21:18; Tito 1:5; Tiago 5:14). Minha própria experiência confirma para mim a utilidade de seguir a prática neotestamentária de ter, onde possível, mais presbíteros em uma igreja local do que simplesmente o solitário pastor, e de tê-los dentre as pessoas arraigadas na congregação. Esta prática é incomum entre as igrejas batistas hoje, mas há uma tendência crescente - e por uma boa razão. Foi necessário nas igrejas do Novo Testamento, e é necessário agora.
Isto não significa que o pastor não tem nenhum papel distintivo. Há muitas referências no Novo Testamento à pregação e pregadores que não se aplicariam a todos os presbíteros numa congregação. Assim, em Corinto, Paulo se entregou exclusivamente à pregação de uma forma que presbíteros leigos em uma congregação não poderiam (Atos 18:5; cf. 1 Coríntios 9:14; 1 Timóteo 4:13; 5:17). Pregadores pareciam ir expressamente a uma algum local para pregar (Romanos 10:14-15), apesar de aparentemente presbíteros já fazerem parte da comunidade (Tito 1:5). (Para mais informações sobre esta distinção, veja Uma Exibição da Glória de Deus - A Display of God’s Glory, [CCR: 2001].)
Entretanto, precisamos lembrar que o pregador, ou pastor, também é fundamentalmente um dos presbíteros da sua congregação. Isso significa que decisões que envolvem a igreja, mas que não requerem a atenção de todos os membros, não deveriam recair sobre o pastor apenas, mas sobre os presbíteros como um todo. Apesar de isso ser, às vezes, incômodo, traz os imensos benefícios de arredondar os dons do pastor, compensando alguns dos seus defeitos, complementando o seu julgamento, e criando apoio na congregação para as decisões, deixando os líderes menos expostos a críticas injustas. Também torna a liderança mais arraigada e permanente, e permite uma continuidade mais amadurecida. Também encoraja a igreja a assumir mais responsabilidade por sua própria espiritualidade e torna a igreja menos dependente dos seus empregados.
Muitas igrejas modernas têm uma tendência de confundir os presbíteros com a diretoria da igreja ou com os diáconos. Os diáconos, também, preenchem um ofício neotestamentário, fundamentado em Atos 6. Apesar de qualquer distinção absoluta entre os dois ofícios ser difícil, as preocupações dos diáconos são os detalhes práticos da vida da igreja: administração, manutenção, e o cuidado de membros da igreja com necessidades físicas. Em muitas igrejas hoje, os diáconos assumiram algum papel espiritual; mas a maior parte foi simplesmente deixada para o pastor. Seria benéfico para a igreja voltar a distinguir o papel de presbítero do de diácono.
O presbiterato é o ofício bíblico que eu exerço como pastor: Eu sou o principal presbítero pregador. Mas todos os presbíteros deveriam trabalhar juntos para a edificação da igreja, reunindo-se regularmente para orar e discutir, ou para formular recomendações para os diáconos ou para a igreja. Claramente, esta é uma idéia bíblica que tem grande valor prático. Se implementada em nossas igrejas, poderia ajudar imensamente os pastores removendo peso dos seus ombros e removendo até mesmo as suas próprias pequenas tiranias das suas igrejas. De fato, a prática de reconhecer leigos piedosos, perspicazes e fiéis como presbíteros é outra marca de uma igreja saudável.
Fonte: Extraído do livreto disponível online: 9 Marks of a Healthy Church
Esses textos são um resumo do livro 9Marca de Uma Igreja Saudável publicado em português pela Editora Fiel. No livro é feita uma abordagem mais ampla e detalhada de cada uma das 9 marcas. Editora Fiel

quinta-feira, julho 07, 2011

9Marcas de Uma Igreja Saudável: Mark Dever

Outra marca distintiva de uma igreja saudável é uma preocupação penetrante com o crescimento da igreja - não simplesmente com o crescimento numérico, mas com o crescimento pessoal dos membros. Algumas pessoas pensam que alguém pode ser um "bebê em Cristo" pela vida inteira. O crescimento é visto como um item opcional reservado para discípulos particularmente zelosos. Entretanto, crescimento é um sinal de vida. Árvores que crescem são árvores vivas, e animais que crescem são animais vivos. Crescimento envolve aumento e avanço. Em muitas áreas da nossa experiência do dia a dia, quando algo deixa de crescer, morre.

Paulo esperava que os coríntios crescessem na sua fé Cristã (2 Coríntios 10:15). Os efésios, ele esperava, cresceriam “naquele que é o Cabeça, Cristo" (Efésios 4:15; cf. Colossenses 1:10; 2 Tessalonicenses 1:3). Pedro exortou alguns cristãos primitivos para que desejassem "como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação" (1 Pedro 2:2). É tentador para os pastores reduzirem suas igrejas a estatísticas controláveis de freqüência, batismos, ofertas e membresia, nas quais o crescimento é tangível. Porém tais estatísticas ficam muito aquém do verdadeiro crescimento que Paulo descreve e que Deus deseja.
No seu Treatise Concerning Religious Affections (Tratado Relativo ás Afeições Religiosas), Jonathan Edwards sugeriu que o verdadeiro crescimento no discipulado cristão não é, em última instância, mera excitação, uso crescente de linguagem religiosa, ou o conhecimento crescente das Escrituras. Não é nem mesmo um evidente acréscimo em alegria ou em amor ou em interesse pela igreja. Até mesmo o aumento no zelo e no louvor a Deus e a confiança da própria fé não são evidências infalíveis do verdadeiro crescimento cristão. O que é então? De acordo com Edwards, enquanto todas essas coisas podem ser evidências de um verdadeiro crescimento cristão, o único sinal observável certo é uma vida de santidade crescente, arraigada na abnegação cristã. A igreja deveria ser marcada por uma preocupação vital com este tipo de piedade crescente nas vidas de seus membros.
Como vimos na sétima marca, uma das conseqüências não intencionais da negligência da igreja com a disciplina é o aumento da dificuldade em ver discípulos crescendo. Em uma igreja indisciplinada, os exemplos não são claros e os modelos são confusos. Nenhum jardineiro planta intencionalmente ervas daninhas. Ervas daninhas são, por si mesmas, indesejáveis, e elas podem ter efeitos nocivos sobre as plantas ao redor. O plano de Deus para a igreja local não nos permite deixar que as ervas daninhas fujam ao controle.
Boas influências em uma comunidade de crentes podem ser ferramentas nas mãos de Deus para fazer o Seu povo crescer. Conforme o povo de Deus é edificado e cresce unido em santidade e no amor que se doa, deveria também melhorar sua habilidade de administrar a disciplina e encorajar o discipulado. A igreja tem a obrigação de ser um dos meios de Deus para o crescimento das pessoas na graça. Se, em vez disso, ela é um lugar onde só os pensamentos do pastor são ensinados, onde Deus é questionado mais do que adorado, onde o Evangelho é diluído e o evangelismo pervertido, onde a membresia da igreja é tornada sem sentido, e um culto mundano à personalidade é deixado crescer ao redor da pessoa do pastor, então dificilmente as pessoas podem esperar encontrar uma comunidade que é coesa ou edificante. Tal igreja certamente não glorificará a Deus.
Deus é glorificado por meio de igrejas que estão crescendo. Esse crescimento pode se manifestar de muitas formas diferentes: pelo aumento de pessoas chamadas para missões; por membros mais velhos que começam a sentir um senso renovado da sua responsabilidade no evangelismo; por meio de funerais a que os membros mais jovens da congregação comparecem simplesmente pelo amor que têm aos membros mais velhos; pelo aumento na oração, e pelo desejo por mais pregação; por reuniões da igreja caracterizadas por conversações genuinamente espirituais; pelo aumento nas ofertas, e por membros que ofertam mais sacrificialmente; por mais membros que compartilham o evangelho com outros; por pais que redescobrem a sua responsabilidade em educar seus filhos na fé. Esses são apenas alguns exemplos do tipo de crescimento na igreja pelo qual os cristãos oram e trabalham.
Quando vemos uma igreja que é composta por membros que crescem na semelhança com Cristo quem recebe o crédito ou a glória? "O crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento." (1 Coríntios 3:6b -7; cf. Colossenses 2:19). Portanto a bênção final de Pedro para aqueles cristãos primitivos a quem ele escreveu era uma oração expressa no imperativo: "crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno. (2 Pedro 3:18)." Nós poderíamos pensar que nosso crescimento traria glória para nós mesmos. Mas Pedro sabia que não era assim. “Mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. (1 Pedro 2:12)." Ele obviamente lembrou-se das palavras de Jesus: Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras” - e certamente aqui nós pensaríamos que seria natural cair na armadilha da auto-admiração, mas Jesus continuou - "e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5:16). Trabalhar para promover o discipulado cristão e o crescimento é outra marca de uma igreja saudável. 

Fonte: Extraído do livreto disponível online: 9 Marks of a Healthy Church
Esses textos são um resumo do livro 9Marca de Uma Igreja Saudável publicado em português pela Editora Fiel. No livro é feita uma abordagem mais ampla e detalhada de cada uma das 9 marcas. Editora Fiel

terça-feira, julho 05, 2011

9Marcas de Uma Igreja Saudável: Mark Dever

A sétima marca de uma igreja saudável é a prática regular da disciplina eclesiástica. Uma prática bíblica de disciplina eclesiástica dá significado a ser um membro de igreja. Embora tenha sido praticada pelas igrejas de forma generalizada desde os tempos de Cristo, nas últimas gerações a prática vem desaparecendo da vida regular da igreja evangélica.
Nós, humanos, fomos originalmente criados para carregar a imagem de Deus, para sermos testemunhas do caráter de Deus à Sua criação (Gênesis 1:27). Assim, não é nenhuma surpresa que ao longo do Velho Testamento, conforme Deus formava um povo para Si, Ele os instruísse em santidade, para que o caráter deles se aproximasse melhor do Seu (veja Levítico 19:2; Provérbios 24:1, 25). Essa era a base para corrigir e excluir alguns até mesmo da comunidade, no Antigo Testamento (como em Números 15:30-31). E é também a base para amoldar a igreja do Novo Testamento (veja 2 Coríntios 6:14-7:1; 13:2; 1 Timóteo 6:3-5; 2 Timóteo 3:1-5).
Entretanto, toda essa idéia parece ser muito negativa para as pessoas de hoje. Afinal de contas, nosso Senhor Jesus não proibiu o julgamento em Mateus 7:1? Certamente em certo sentido Jesus proibiu o julgamento em Mateus 7:1; mas naquele mesmo Evangelho, também muito claramente, Jesus nos conclama a repreender a outros por causa do pecado e até mesmo, em última instância, repreendê-los publicamente (Mateus 18:15-17; cf. Lucas 17:3). Portanto, seja o que for que Jesus pretendesse dizer proibindo o julgamento em Mateus 7:1, certamente Ele não pretendia lançar fora tudo o que está contido na palavra portuguesa "julgar".
O próprio Deus é um Juiz. Ele o foi no Jardim do Éden, e nós permanecemos sob o seu justo juízo enquanto nos mantivermos em nossos pecados. No Antigo Testamento Deus julgou tanto nações como indivíduos e no Novo Testamento nós cristãos somos advertidos de que nossas obras serão julgadas (veja 1 Coríntios 3). Em amor Deus disciplina Seus filhos, e em ira Ele condenará os ímpios (veja Hebreus 12). É claro que, no último dia, Deus se revelará como Juiz definitivo (veja Apocalipse 20). Em todo esse julgamento, Deus nunca está errado, Ele é sempre justo (veja Josué 7; Mateus 23; Lucas 2; Atos 5; Romanos 9).
Para muitos, hoje, é surpreendente descobrir que Deus planeja que outros julguem também. Ao Estado é dada a responsabilidade de julgar (veja Romanos 13). Somos chamados a julgar a nós mesmos (veja 1 Coríntios 11:28; Hebreus 4; 2 Pedro 1:5). Também somos chamados a julgar uns aos outros na igreja (embora não do modo definitivo com que Deus julga). As palavras de Jesus em Mateus 18, de Paulo em 1 Coríntios 5-6, e muitas outras passagens claramente mostram que a igreja deve exercer julgamento internamente e que esse julgamento tem propósitos de redenção, não de vingança (Romanos 12:19). No caso do homem adúltero em Corinto e dos falsos mestres em Éfeso, Paulo disse que eles deveriam ser excluídos da igreja e deveriam ser entregues a Satanás de forma que eles pudessem ser melhor instruídos e suas almas pudessem ser salvas (veja 1 Coríntios 5; 1 Timóteo 1).
Não é nenhuma surpresa que devamos ser ensinados a julgar. Afinal de contas, se nós não podemos dizer como um cristão não deve viver, como poderemos dizer como ele ou ela deve viver? Uma das minhas preocupações em relação aos programas de discipulado de muitas igrejas é que eles estão como que vertendo água em baldes furados - toda a atenção se volta ao que é vertido, sem preocupação sobre como é recebido e mantido.
Um escritor do movimento de crescimento de igrejas resumiu recentemente a sua recomendação para ajudar uma igreja a crescer: "Abra a porta da frente e feche a porta dos fundos." Com isso ele quer dizer que nós deveríamos trabalhar para tornar a igreja mais acessível às pessoas e fazer um melhor trabalho de acompanhamento. As duas metas são boas. Entretanto, a maioria dos pastores de hoje já desejam ter igrejas com tais portas da frente abertas e portas dos fundos fechadas. Por outro lado, tentar seguir um modelo bíblico deveria nos conduzir a seguinte estratégia: "Feche a porta da frente e abra a porta dos fundos." Em outras palavras, torne mais difícil unir-se à igreja por um lado, e mais fácil ser excluído, por outro. Tais ações ajudarão a igreja a recuperar sua cativante e divinamente planejada distinção do mundo.
Esta disciplina deveria se refletir primeiramente na maneira como nós, igrejas, aceitamos novos membros. Exigimos que aqueles que estão se tornando membros sejam conhecidos por nós como pessoas que estão vivendo vidas que honram a Cristo? Entendemos a seriedade do compromisso que nós estamos fazendo com eles e que eles estão fazendo conosco? Se nós formos mais cuidadosos quanto a como nós reconhecemos e recebemos novos membros, teremos menos chance de ter que praticar a disciplina corretiva depois.
É claro que qualquer tipo de disciplina eclesiástica pode ser mal feita. No Novo Testamento, somos ensinados a não julgar outros por motivos que nós mesmos imputamos a eles (veja Mateus 7:1), ou julgar uns aos outros em assuntos que não são essenciais (veja romanos 14 e 15). Esse assunto está repleto de problemas de aplicação pastoral, mas nós precisamos lembrar que tudo na vida cristã é difícil e sujeito a abusos. Nossas dificuldades não deveriam servir como desculpas para não haver a prática. Cada igreja local tem a responsabilidade de julgar a vida e os ensinamentos de seus líderes, e até mesmo de seus membros; particularmente na medida em que qualquer um deles possa comprometer o testemunho da igreja quanto ao Evangelho (veja Atos 17; 1 Coríntios 5; 1 Timóteo 3; Tiago 3:1; 2 Pedro 3; 2 João).
Disciplina eclesiástica bíblica é simplesmente obediência a Deus e uma simples confissão de que nós precisamos de ajuda. Seguem cinco razões positivas para tal disciplina corretiva na igreja. Seu propósito é positivo (1) para o indivíduo que está sendo disciplinado, (2) para outros cristãos na medida em que vêem o perigo do pecado, (3) para a saúde da igreja como um todo e (4) para o testemunho corporativo da igreja. E, acima de tudo, (5) nossa santidade deve refletir a santidade de Deus. Ser membro da igreja deveria significar alguma coisa, não para nosso orgulho, mas por causa do nome de Deus. Disciplina eclesiástica bíblica é outra marca de uma igreja saudável.

Fonte: Extraído do livreto disponível online: 9 Marks of a Healthy Church
Esses textos são um resumo do livro 9Marca de Uma Igreja Saudável publicado em português pela Editora Fiel. No livro é feita uma abordagem mais ampla e detalhada de cada uma das 9 marcas. Editora Fiel

segunda-feira, julho 04, 2011

9Marcas de Uma Igreja Saudável: Mark Dever

Há um sentido em que o que nós conhecemos hoje como "membresia de igreja" não é bíblico. Não temos nenhum registro de um cristão do primeiro século que vivia, por exemplo, em Jerusalém Central e aí precisasse decidir se deveria se envolver com uma assembléia particular de cristãos em vez de alguma outra. Até onde podemos perceber, não havia troca-troca de igrejas porque só havia uma igreja em uma determinada comunidade. Nesse sentido, não sabemos de nenhum rol de membros de igreja no Novo Testamento. Mas existem listas de pessoas ligadas de alguma forma à igreja no Novo Testamento. Temos tanto as listas de viúvas sustentadas pela igreja (1 Timóteo 5) quanto os nomes escritos no Livro da Vida do Cordeiro (Filipenses 4:3; Apocalipse 21:27). E há passagens no Novo Testamento que apontam para definição e limites claros à membresia de uma igreja. As igrejas sabiam quem compunha o seu rol de membros. Por exemplo, as cartas de Paulo para a igreja de Corinto mostram que alguns indivíduos seriam excluídos (por exemplo, 1 Coríntios 5) e que alguns seriam incluídos (por exemplo, 2 Coríntios 2). Nesse segundo exemplo, Paulo menciona até mesmo uma "maioria" das pessoas (2 Coríntios 2:6) que são citadas como tendo infligido a “punição" de exclusão da igreja. Essa "maioria" só poderia estar se referindo a uma maioria do grupo das pessoas que foram reconhecidas como membros da igreja.
A prática da membresia de igreja entre cristãos desenvolveu-se como uma tentativa para nos ajudar a perceber um ao outro em responsabilidade e amor. Identificando-nos com uma igreja particular, permitimos que os pastores e demais membros daquela igreja local saibam que nós pretendemos manter um compromisso na freqüência, na oferta, na oração e no serviço. Nós ampliamos as expectativas de outros em relação a nós mesmos nessas áreas, e tornamos claro que estamos sob a responsabilidade desta igreja local. Nós asseguramos a igreja quanto ao nosso compromisso com Cristo ao servir com eles, e pedimos o compromisso deles quanto a nos servir em amor e nos encorajar em nosso discipulado.
Neste sentido, a membresia é uma idéia bíblica. Dentre outras coisas, procede do uso que Paulo faz da imagem do corpo para a igreja local. Procede de Cristo nos salvando por Sua graça e colocando-nos nas igrejas para servi-lO em amor enquanto servimos uns aos outros. Procede de nossas obrigações mútuas expressas nas passagens das Escrituras que falam sobre "juntos" e "uns aos outros". Tudo isso está encapsulado no pacto de uma igreja saudável.
Não deveria ser nenhuma surpresa que quando se traz a visão quanto ao evangelismo, conversão e Evangelho para mais para perto da Bíblia há implicações quanto à forma como se concebe a membresia de igreja. Quando isso ocorre começamos a ver a membresia menos como uma ligação frouxa eventualmente útil e mais como uma responsabilidade regular que envolve as vidas uns dos outros para o progresso do evangelho.
Não é nada incomum haver um abismo entre o rol de membros de uma igreja e o número de pessoas ativamente envolvidas. Imagine uma igreja de 3.000 membros com uma freqüência regular de apenas 600. Temo que, infelizmente, muitos pastores evangélicos hoje se orgulham mais da membresia declarada do que se incomodam com a baixa freqüência. De acordo com um recente estudo da Convenção Batista do Sul, isto é normal nas igrejas da denominação. A igreja batista do sul típica tem 233 membros e 70 pessoas no culto dominical matutino. Será que a nossa igreja está em melhor estado? Que congregações têm orçamentos que igualam – para não dizer excedem - 10% das rendas anuais combinadas dos seus membros?
Com exceção dos casos em que há limitações físicas que impedem a freqüência ou problemas financeiros que impedem a oferta, esta situação não sugere que a membresia vem sendo apresentada como não necessariamente requerendo envolvimento? Afinal o que este número de membros significa? Números escritos podem tornar-se ídolos tão facilmente quanto imagens esculpidas - talvez até mais facilmente. Entretanto será Deus que um dia avaliará nossas vidas, e Ele verificará o peso do nosso trabalho, creio eu, em vez de contar nossos números. Se a igreja é um edifício, então nós devemos ser tijolos nele; se a igreja é um corpo, então nós somos seus membros; se a igreja é a família da fé, presume-se que nós fazemos parte dessa família. Ovelhas permanecem no rebanho, e ramos na videira. Biblicamente, se uma pessoa é cristã ela precisa ser membro de uma igreja. Deixando os aspectos particulares de lado - se o rol de membros é mantido em fichários ou em discos de computador – o certo é que não devemos deixar de congregar-nos (Hebreus 10:25). Esta condição de membro não é um simples registro de uma declaração que fizemos uma vez no passado ou o apego a um lugar familiar. Deve ser o reflexo de um compromisso vivo, ou então é inútil e até mesmo pior que inútil: é uma condição perigosa.
Membros descompromissados confundem tanto os verdadeiros membros quanto os não-cristãos sobre o que significa ser cristão. E os membros "ativos" não fazem nenhum bem aos voluntariamente "inativos" quando lhes permitem permanecer como membros da igreja; porque a membresia é o endosso corporativo da igreja quanto à salvação de uma pessoa. Mais uma vez, isto deve ser claramente entendido: a membresia em uma igreja é o testemunho corporativo daquela igreja quanto à salvação do membro individual. Entretanto, como pode uma congregação testemunhar honestamente que alguém invisível para ela está correndo a corrida com fidelidade? Se membros deixaram nossa companhia e não foram para alguma outra igreja bíblica, que evidência nós podemos fornecer de que eles alguma vez fizeram parte de nós? Não necessariamente nós sabemos se tais pessoas descompromissadas são ou não cristãs; nós simplesmente não podemos afirmar que elas são. Nós não precisamos lhes dizer que nós sabemos que elas vão para Inferno, nós só não podemos lhes dizer que nós sabemos que eles vão para o Céu.
Para que uma igreja pratique uma membresia eclesiástica bíblica não é preciso perfeição, mas honestidade. Não pede decisões nuas e cruas, mas um verdadeiro discipulado. Não é composto somente de experiências individuais, mas de afirmações corporativas daqueles que estão em aliança com Deus e uns com os outros. Pessoalmente, eu espero ver os números da membresia da igreja em que sirvo tornando-se mais significativos, de tal forma que todos os que são membros de nome tornem-se membros de verdade. Para muitos, isto significou ter seus nomes removidos de nosso rol (mas não de nossos corações). Para outros, significou um compromisso renovado com a vida de nossa igreja. Novos membros estão sendo instruídos na fé e na vida de nossa igreja. Muitos de nossos membros antigos precisam de instrução semelhante e de encorajamento. Conforme fomos nos tornando a Igreja Batista saudável que éramos historicamente, nossa freqüência voltou a exceder o número de membros mais uma vez. Certamente este deveria ser o seu desejo para a sua igreja também.
A recuperação de uma cuidadosa de membresia de igreja trará muitos benefícios. Tornará o nosso testemunho aos não-cristãos mais claro. Também ficará mais difícil para a ovelha mais fraca vaguear longe do aprisco, enquanto ainda se considera ovelha. Auxiliará a dar forma e foco ao discipulado de cristãos mais maduros. Ajudará nossos líderes eclesiásticos a saberem com mais precisão por quem eles são responsáveis. E em tudo isso, Deus será glorificado.
Ore para que a o rol de membros das igrejas passe a ser algo mais do que é atualmente, de forma que nós possamos conhecer melhor por quem nós somos responsáveis, para possamos orar por eles, encorajá-los e desafiá-los. Jamais deveríamos permitir às pessoas permanecerem no rol de membros de nossas igrejas por razões sentimentais. Biblicamente falando, tal membresia não é membresia alguma. No pacto de nossa igreja nós nos comprometemos a "Caso nos mudemos deste lugar para outro, iremos procurar o mais rápido possível alguma outra igreja onde possamos colocar em prática o espírito deste pacto e os princípios da Palavra de Deus." Esse compromisso é parte integrante de um discipulado saudável, particularmente em nossos dias altamente transientes.
Ser membro de uma igreja significa ser incorporado de forma prática no corpo de Cristo. Significa viajarmos juntos como estrangeiros e peregrinos neste mundo enquanto caminhamos rumo ao nosso lar celestial. Certamente outra marca de uma igreja saudável é uma compreensão bíblica quanto à membresia de igreja.

Fonte: Extraído do livreto disponível online: 9 Marks of a Healthy Church
Esses textos são um resumo do livro 9Marca de Uma Igreja Saudável publicado em português pela Editora Fiel. No livro é feita uma abordagem mais ampla e detalhada de cada uma das 9 marcas. Editora Fiel

sábado, julho 02, 2011

9Marcas de Uma Igreja Saudável: Mark Dever

Revisando, consideramos até agora entre as marcas que caracterizam uma igreja saudável: a pregação expositiva, a teologia bíblica, uma compreensão bíblica do evangelho e da conversão. Uma forma de mensurar o quão importantes estas coisas são é considerar quais são as conseqüências para as congregações que as perdem. Os sermões podem facilmente tornar-se repetições de verdades há muito conhecidas. O cristianismo pode tornar-se indistinguível da cultura secular circunvizinha. O evangelho pode ser transformado em pouco mais do que auto-ajuda espiritual. A conversão pode-se degenerar de um ato de Deus a uma mera decisão humana. Mas tais congregações - com pregação superficial, pensamento secular, e um evangelho egocêntrico que encorajam pouco mais que uma única confissão verbal de Cristo (freqüentemente distorcendo Romanos 10:9) - não têm como proclamar adequadamente as tremendas novas da salvação em Cristo.
Para todos os membros de uma igreja, mas particularmente para os líderes que têm o privilégio e a responsabilidade de ensinar, uma compreensão bíblica do evangelismo é crucial. É evidente que a forma como alguém compartilha o evangelho está intimamente ligada à forma como essa pessoa entende o evangelho. Se sua mente foi moldada pela Bíblia quanto a Deus e o evangelho, quanto à necessidade humana e a conversão, então um entendimento correto sobre o evangelismo seguirá naturalmente. Nós deveríamos estar mais preocupados em conhecer e ensinar o próprio evangelho do que simplesmente tentar ensinar às pessoas métodos e estratégias para compartilhá-lo.
Biblicamente, evangelismo é apresentar abertamente as boas novas cofiando em Deus para converter as pessoas (veja Atos 16:14). "Ao SENHOR pertence a salvação" (Jonas 2:9; cf. João 1:12-13). Qualquer tentativa nossa de forçar nascimentos espirituais será tão efetiva quanto Ezequiel tentando costurar os ossos secos, ou Nicodemos tentando dar à luz a si mesmo. E o resultado será semelhante.
Se a conversão for entendida como apenas um compromisso sincero feito uma única vez, então nós devemos conduzir todas as pessoas àquele ponto de confissão verbal e de compromisso por todos os meios que pudermos utilizar. Biblicamente, entretanto, ainda que seja correto importar-se, conclamar, e persuadir, nosso principal dever é ser fiel à obrigação que temos diante de Deus que é de apresentar as mesmas Boas Novas que Ele nos deu. Deus produzirá conversões a partir da nossa apresentação destas Boas Novas (veja João 1:13; Atos 18:9-10).
É encorajador como novos cristãos parecem freqüentemente ter uma consciência inata da natureza graciosa da sua salvação. Provavelmente você ouviu testemunhos, até mesmo nas últimas semanas ou meses, que o lembram que a conversão é obra de Deus. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie." (Efésios 2:8-9)
Se a membresia de uma igreja for visivelmente maior que sua freqüência, deve-se perguntar: Esta igreja tem uma compreensão bíblica da conversão? Além disso, deveríamos perguntar que tipo de evangelismo foi praticado que resultou em um número tão grande de pessoas não envolvidas na vida da igreja, e ainda considerando-se seriamente a membresia deles como uma boa evidência de salvação? A igreja contestou essa situação de alguma forma, ou pareceu perdoar esta situação através de um conveniente silêncio? Disciplina eclesiástica bíblica faz parte do evangelismo da igreja.
Em meu próprio evangelismo, eu procuro transmitir três coisas às pessoas sobre a decisão que eles têm que tomar sobre o Evangelho:

• primeiro, a decisão é custosa (por isso deve ser considerada cuidadosamente, veja Lucas 9:62);
• segundo, a decisão é urgente (por isso deve ser tomada, veja João 3:18, 36);
• terceiro, a decisão vale a pena (por isso deveria ser tomada, veja João 10:10).
Este é o equilíbrio que nós deveríamos nos esforçar para ter em nosso evangelismo junto à nossa família e nossos amigos. Este é o equilíbrio que nós deveríamos nos esforçar para ter em nosso evangelismo na igreja como um todo. Há uma série de recursos impressos excelentes sobre evangelismo.
Para considerar a conexão íntima entre a nossa compreensão do evangelho e os métodos evangelísticos que usamos, recomendo o livro de Will Metzger: Tell the Truth (Diga a Verdade) da Inter-Varsity Press, e os livros de Iain Murray: The Invitation System (O Sistema de Apelo) e Revival and Revivalism (Reavivamento e Reavivalismo) da Banner of Truth Trust.
Portanto, outra marca de uma igreja saudável é uma compreensão bíblica e prática do evangelismo. O único verdadeiro crescimento é o crescimento que vem de Deus.

Fonte: Extraído do livreto disponível online: 9 Marks of a Healthy Church
Esses textos são um resumo do livro 9Marca de Uma Igreja Saudável publicado em português pela Editora Fiel. No livro é feita uma abordagem mais ampla e detalhada de cada uma das 9 marcas. Editora Fiel