Morre John Stott, teólogo britânico que ajudou a construir a
Igreja contemporânea.Nos últimos anos, o pastor e teólogo britânico John Stott já
não podia, em função da idade, praticar uma de suas paixões: a ornitologia.
Aficionado pela observação de pássaros, era nos bosques do Reino Unido que ele
passava boa parte de suas horas de folga, com binóculo em punho, máquina
fotográfica a tiracolo e o inseparável caderninho de anotações. Desavisados
poderiam pensar que era apenas mais um idoso preenchendo o ócio da
aposentadoria. As aparências enganam. Ali estava um dos gigantes da fé cristã
contemporânea, que ajudou a construir a Igreja Evangélica ao longo do século
20. Teólogo brilhante, pastor apaixonado, filantropo convicto, conferencista
eloquente, escritor inspirado e idealista de vanguarda, Stott deixou esta vida
no dia 27 de julho, em Londres, de causas naturais, aos 90 anos. Livre como os
pássaros que ele tanto amava.
No seu último aniversário, em abril, amigos, colaboradores e
parentes mais chegados – Stott era solteiro e não tinha filhos – fizeram uma
reunião com ele na casa de repouso onde vivia. O encontro teve inegável caráter
de despedida. “Já sabíamos o que estava para acontecer. Stott deixou um exemplo
impecável para lideres de ministérios em todo o mundo – amor pela Igreja
global, paixão pela fidelidade bíblica e amor pelo Salvador”, define Benjamin
Homam, presidente de John Stott Ministries, entidade criada pelo pastor para
apoiar líderes cristãos ao redor do mundo. A instituição é apenas uma parte do
imenso legado espiritual daquele que, segundo David Brooks, colunista do New
York Times, seria eleito papa, caso os protestantes tivessem um.
“SIMPLES E COMUM”
Nascido em família abastada, John Robert Walmsley Stott era
filho de sir Arnold Stott, médico da Família Real. Criado na Igreja Anglicana
com as três irmãs, ele fez sua decisão por Cristo aos 18 anos de idade. A mente
privilegiada levou-o à prestigiada Universidade de Cambridge, onde graduou-se
em letras. Ali, conheceu a Aliança Bíblia Universitária e sentiu o chamado para
o pastorado. Formou-se em teologia no Seminário Ridley Hall e logo assumiu o
púlpito da Igreja Anglicana All Souls (“Todas as almas”), onde ministrou
durante três décadas, sempre disponível às ovelhas apesar da agenda cada vez
mais apertada.
Capelão da Coroa Britânica entre 1959 e 1991, foi neste
período que o ministério de Stott atingiu seu maior esplendor. Protagonista do
movimento conhecido como Evangelho integral, ele organizou, na companhia do
evangelista Billy Graham e outras lideranças, o Congresso Internacional de
Evangelização, em Lausanne (Suíça), em 1974. O evento entrou para a história da
Igreja Cristã por lançar as bases de uma abordagem da fé inteiramente contextualizada
à sociedade, sem, contudo, abrir mão dos princípios basilares do Evangelho,
consubstanciada no Pacto de Lausanne. Fundou ainda o London Institute for
Contemporary Christianity, em 1982.
John Stott escreveu cerca de 40 livros e percorreu o mundo
como convidado especial em cruzadas, congressos e solenidades. Esteve no Brasil
duas vezes. Numa delas, reuniu cerca de 2 mil pastores no Congresso Vinde em
1989, com outro tanto do lado de fora por falta de espaço. Em todas estas
viagens, sempre recusou hospedagem em hotéis cinco estrelas. Não costumava nem
repetir refeições. “Quando comemos um segundo prato, alguém está deixando de
comer o primeiro”, dizia. Tudo a ver com alguém que, ao morrer, possuía apenas
um sítio e um apartamento e definia dessa maneira o que é ser evangélico: “É
ser um cristão simples e comum.”
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