quinta-feira, janeiro 27, 2011

Novo Presidente da Convenção Batista Brasileira


No dia 24 de janeiro, na cidade de Niterói-RJ, durante  a 91ª Assembléia dos Batista, foi realizada a eleição do novo presidente da Convenção Batista Brasileira (CBB), Paschoal Piragine Júnior que tem como mandato os próximos dois anos, sucedendo no cargo, o pastor Josué Mello Salgado.
Paschoal Piragine chega pela segunda vez à presidência da CBB, posição que já ocupou no ano de 2007. Nessa eleição ele recebeu 637 votos dos convencionais no segundo turno, em disputa com o pastor Vanderlei Batista Marins, que recebeu 250 votos.
Logo após a sua posse o novo presidente da CBB expressou sua expectativa em relação ao seu mandato: “Sinto profundo temor e tremor, pois é uma responsabilidade muito grande honrar a história dos batistas e honrar o nome de Jesus, que é o Senhor de todas as coisas. É com muito temor e tremor que estou caminhando nessa direção, para tentar fazer só aquilo que Jesus queira, só isso. Nem uma vírgula, nem para direita e nem para a esquerda”.
Piragine é Doutor em Ministérios, pela Faculdade Teológica Sul Americana, de Londrina (PR). Atualmente atua como pastor titular da Primeira Igreja Batista de Curitiba, onde está desde o dia 20 de agosto de 1988. Casado com Cleusa Piragine, com quem tem dois filhos, o Pastor Michel Ferreira Piragine e Kelly Piragine Sonda, também formada em Teologia.
O novo presidente da CBB é autor de vários livros: “Orações que Deus gostaria de ouvir”, Doenças da Família Moderna”,  “A escalada da fé”, entre outros.
Após a escolha do presidente da CBB, foram escolhidos os vice-presidentes: 1ª Vice-presidente é a professora  Nancy Dusilek e na 2ª vice-presidência, o pastor Vanderlei Marins. A 3ª vice-presidencia ficou com o pastor Eli Fernandes. A nova diretoria da CBB foi completada depois, com a eleição dos secretários: Dayse dos Santos Correa (1ª secretária), pastor Lécio Dornas (2º secretário), pastor Edgard Barreto Antunes (3º secretário) e Damares de Luna Rodrigues (4ª secretária).
O que é a Convenção Batista Brasileira
A Convenção Batista Brasileira (CBB) é o órgão máximo da denominação batista no Brasil. É a maior convenção batista da América Latina, representando cerca de 7.000 igrejas, 4.000 missões e 1.350.000 fiéis. Como instituição, existe desde 1907, servindo às igrejas batistas brasileiras como sua estrutura de integração e seu espaço de identidade, comunhão e cooperação. É ela que define o padrão doutrinário e unifica o esforço cooperativo dos batistas do Brasil.
Administração
A Convenção Batista Brasileira é administrada por um Conselho Geral, cuja diretoria tem o mandato de 2 anos. Assim como as igrejas locais que a integram, a CBB se rege por estritos padrões democráticos, com ênfase na descentralização decisória e na alternância do poder. O Conselho Geral é o órgão responsável pelo planejamento, a coordenação e o acompanhamento dos programas da CBB e de suas organizações.
Organização
Para o cumprimento de sua missão no Brasil e no Mundo, os Batistas Brasileiros se organizam de uma forma prática e funcional. Na área de missões opera através da Junta de Missões Mundiais e da Junta de Missões Nacionais. No âmbito da educação teológica atuam na formação ministerial e missionária, os Seminários Teológicos: do Norte e de Educação Cristã (Recife/PE), Equatorial (Belém/PA), do Sul e o Centro Integrado de Educação e Missões (Rio de Janeiro). Há ainda os Colégios Batistas espalhados pelo Território Nacional. Organizações executivas nas áreas do trabalho feminino, masculino e jovem são, respectivamente: a União Feminina Missionária, a União de Homens e a Junta de Mocidade. Como organizações auxiliares, a Ordem dos Pastores, a Associação dos Músicos, a Associação Nacional de Educandários, a Associação de Instituições de Ensino Teológico, a Associação dos Diáconos e a Associação dos Educadores Cristãos.

domingo, janeiro 16, 2011

Pregando a Cristo com Base no Antigo Testamento


Os pregadores raramente têm dificuldade em pregar assuntos do Antigo Testamento. Mas pregar a Cristo com base no Antigo Testamento pode ser uma questão diferente. Entretanto, foi exatamente isso que Paulo fez, quando chegou em Tessalônica, conforme nos mostram com clareza estes versículos de Atos dos Apóstolos. De fato, o Antigo Testamento contém muitas passagens que são explicitamente “messiânicas”. Ou seja, tais passagens fazem uma referência inconfundível à vinda de Cristo. Isaías 53 é, talvez, o exemplo mais famoso. Contudo, há muitos outros exemplos. Ninguém achará problemas ao pregar sobre estas Escrituras do A T.

A dificuldade está em alcançar uma interpretação cristológica geral e coerentedo Antigo Testamento — uma interpretação em que todas as Escrituras do Antigo Testamento são vistas como um testemunho de Cristo e são interpretadas de conformidade com isso.

Primeiro e fundamentalmente, é mesmo necessário acharmos tal interpretação? Em segundo, se devemos encontrá-la, como podemos achar Cristo em todas as Escrituras?

ICEBERGS OU ILHAS?

Uma analogia pode nos ajudar a tratar da primeira dessas perguntas. Considere um iceberg flutuando no oceano. É algo belíssimo, mas flutua livremente no oceano, não estando enraizado no seu ambiente cercado de água. O iceberg é incidental, está isolado e não tem importância duradoura. Por contraste, uma ilha é uma manifestação visível da geografia oculta do oceano — talvez denunciando a existência de um vulcão extinto. Ela é uma parte integral do assoalho do oceano, embora a maior parte desse assoalho esteja coberta, a menos que exploremos as profundeza dos mares. De modo semelhante, as passagens messiânicas podem ser “icebergs, lindas em si mesmas, mas incidentais, não estando vinculadas às Escrituras do Antigo Testamento — estranhezas desconexas que não refletem, de modo algum, a natureza intrínseca daquelas Escrituras. Por outro lado, essas passagens podem ser “ilhas” — afloramentos visíveis de uma realidade profunda que dá sustentação às Escrituras do Antigo Testamento, de Gênesis a Malaquias. Creio que essa é a visão do Antigo Testamento revelada pelo Novo. Sem dúvida, a realidade oculta é Cristo. Consideremos as evidências que existem para apoiar este argumento.

A EVIDÊNCIA
Em primeiro lugar, as cartas do Novo Testamento contêm diversas declarações afirmando que o propósito das Escrituras do Antigo Testamento é instruir e edificar os crentes da Nova Aliança. Além disso, em cada caso, a afirmação tem uma influência no testemunho do Antigo Testamento sobre a pessoa de Cristo. De fato, essas declarações dizem: “O Antigo Testamento foi escrito tendo em vista o nosso benefício; e esse benefício está em Cristo”. Um exemplo é Romanos 15.1-4. Esta passagem começa com uma exortação moral simples: “Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debilidades dos fracos e não agradar- nos a nós mesmos”. Mas Paulo não pára aqui. Esse comportamento, insiste Paulo, resulta do exemplo de Cristo: “Porque também Cristo não se agradou a si mesmo; antes, como está escrito [Salmos 69.9]: As injúrias dos que te ultrajavam caíram sobre mim”. Paulo continua: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”. A palavra grega traduzida por “tudo quanto” é enfática. Isto nos diz não somente que a citação obscura de Salmos 69.9 se refere a Cristo, mas também que todas as Escrituras do Antigo Testamento foram registradas especificamente para o nosso benefício. Este benefício, diz Paulo, nos alcança na forma de ensino, paciência, consolação e, acima de tudo, esperança em Cristo (não existe qualquer outra esperança).

PONDO O SENHOR À PROVA

Uma segunda afirmação encontramos em 1 Coríntios 10.9-12, onde Paulo adverte: “Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas mordeduras das serpentes... Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para a d v e r t ê n c i a nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado”. Assim como em Romanos 15, Paulo faz duas declarações e as une. Primeira, o propósito do Antigo Testamento — mesmo em suas partes históricas — é instruir e admoestar aqueles que vivem sob a nova aliança (“sobre quem os fins dos séculos têm chegado”). Mas acrescentou: é a Cristo que não devemos por à prova. Isto significa que estas Escrituras nos admoestam não em assuntos gerais, masem referência ao nosso relacionamento com Cristo. O próprio Senhor Jesus comparou “a serpente no deserto” à sua crucificação, em João 3.14. Uma terceira afirmação pode ser encontrada em 1 Coríntios 9.9-10: “Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi, quando pisa o trigo. Acaso, é com bois que Deus se preocupa? Ou é, seguramente, por nós que ele o diz?Certo que é por nós que está escrito; pois o que lavra cumpre fazê-lo com esperança...”

NÃO PARA SI MESMOS

Pedro concorda (1 Pedro 1.8- 12). Ele escreveu: “Foi a respeito desta salvação [por meio de Cristo] que os profetas indagaram e inquiriram, os quais prof e t i z a r a m acerca da graça a vós outros destinada... pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam”. “A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho”. Isso dificilmente poderia ser mais claro. Os profetas do Antigo Testamento (uma expressão que inclui todos os outros escritores do Antigo Testamento) foram movidos pelo Espírito Santo, para testemunhar sobre os sofrimentos e a glória de Cristo. E, ao fazerem isso, não estavam ministrando primeiramente à sua própria geração, e sim àqueles que ouviriam o evangelho do Novo Testamento, o evangelho da salvação por meio da graça.

O ANTIGO TESTAMENTO DÁ TESTEMUNHO DE CRISTO

Chegamos agora a várias afirmações definidas concernentes ao testemunho do Antigo Testamento sobre a pessoa de Cristo. A primeira se encontra em João 5.39, onde Jesus falou ao judeus: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim”. Esta não é uma afirmação desconexa; antes, é parte de um argumento mais amplo. Pois Jesus continuou: “Se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (Jo 5.46-47). Observe a escolha das palavras. Cristo não disse apenas: “As Escrituras... testificam de mim”; isso implicaria que os escritores do Antigo Testamento fizeram essas declarações ocasionalmente. Pelo contrário, Jesus disse: “São elas mesmasque testificam de mim”, implicando que o propósito do Antigo Testamento é testificar a respeito dEle. Além disso, Jesus declarou de modo indubitável queos escritos de Moisés (ou seja, todo o Pentateuco) dão testemunho de Cristo, e não fazem apenas referências ocasionais a Ele. Isto é significativo porque, em nossos dias, existe uma tendência geral de se pregar sobre assuntos como a criação, os patriarcas e a lei de Moisés, de um modo que ignora a Cristo. Mas, de acordo com Jesus, Moisés escreveu a respeito dEle em todos os primeiros cinco livros da Bíblia.

EM TODA A ESCRITURA

Uma segunda passagem importante é Lucas 24.25-27, o episódio familiar da Estrada de Emaús. O Cristo ressuscitado repreende os seus discípulos abalados: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!... E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras”. Observe o uso tríplice da palavra “todo”. Lucas estava interessado em que entendêssemos a natureza abrangente das afirmações de Jesus — ou seja, que todo o Antigo Testamento, e não apenas uma parte dele, é uma profecia a respeito de Cristo. “Moisés” e “os Profetas” eram expressões que significavam todo o Antigo Testamento. E Jesus nos disse, em outra passagem, que viera para cumprir todo “i” e todo “til” das Escrituras (Mt 5.17-18). Se Cristo é o cumprimento das Escrituras, elas têm de apontar, necessariamente, para Ele.
SÁBIO PARA A SALVAÇÃO
Nosso último texto comprobatório é 2 Timóteo 3.15-17: “Desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”.

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” Freqüentemente, citamos estas palavras, quando falamos sobre a natureza e a utilidade da Escritura, afirmando que ela é “inspirada” (literalmente, soprada por Deus) e instrutiva. Mas esquecemos com facilidade a declaração que levouPaulo a descrever deste modo o Antigo Testamento. Qual é essa declaração? Que as Escrituras do Antigo Testamento nos iluminam quanto à salvação pela fé em Cristo! Uma vez mais Paulo se refere de modo abrangente às Escrituras do Antigo Testamento, como aquelas que revelam a Cristo em seu poder salvador. É neste contexto cronológico que o apóstolo recomenda, posteriormente, o Antigo Testamento como um livro que é fonte de instrução e de orientação sobre boas obras.

CONCLUSÃO
Assim, as Escrituras me compelem a crer que o Antigo Testamento, em sua totalidade, testemunha sobre a pessoa de Cristo e foi escrito especificamente para o benefício dos crentes do Novo Testamento — e de todo aquele que deseja ser “sábio para a salvação” nEle. As passagens messiânicas, no Antigo Testamento, são ilhas, e não icebergs, que revelam a cristologia abrangente e essencial do Antigo Testamento.



quarta-feira, janeiro 12, 2011

O Legado de Charles Finney


Jerry Falwell descreveu Finney como “um de meus heróis e de muitos evangélicos, incluindo Billy Graham”. Lembro-me de ter visitado o Instituto Billy Graham alguns anos atrás; ali observei o lugar de honra dado a Finney na tradição evangélica. Isto foi reforçado pela recordação de minha primeira aula de teologia em uma faculdade evangélica, na qual foi solicitado que lêssemos a obra de Finney. O avivalista de Nova Iorque tem sido freqüentemente citado e celebrado, como um herói, pelo famoso cantor evangélico Keith Green e pela organização Jovens com uma Missão. Finney é particular-mente estimado entre líderes de movimentos evangélicos conserva-dores e liberais, tanto por Jerry Falwell quanto por Jim Wallis (da revista Sojourner). E sua marca pode ser vista em vários movimentos que parecem ter posições diferentes, mas que na realidade são herdeiros do legado de Finney. Para grupos tais como o movimento Vineyard e o de Crescimento de Igrejas, em campanhas políticas e sociais, no televangelismo e no movimento Pro- mise-Keepers (Guardiões da Promessa), “Finney continua vivo!”, citando as palavras de um dos presidentes do Wheaton College.
Isso acontece porque o impulso moralista de Finney idealizou uma igreja que, em grande escala, seria um agente de reforma da sociedade e do indivíduo, ao invés de uma instituição onde os meios da graça, a Palavra de Deus e as ordenanças, são colocados à disposição dos crentes que, em seguida, levam o evangelho ao mundo. No século XIX, o movimento evangélico identificou-se, de maneira crescente, com as causas políticas – a abolição da escravatura, leis sobre o trabalho infantil, os direitos da mulher e a proibição de bebidas alcoólicas. Na virada do século, com a afluência de imigrantes católicos romanos, o que deixou apreensivos muitos protestantes americanos, o secularismo começou a minorar a influência do movimento evangélico sobre instituições (universidades, hospitais, organizações filantrópicas) que os crentes haviam criado e mantido. Em um desesperado esforço para reconquistar este poder institucional e a glória da “América Cristã” (um ideal que sempre tem dominado a imaginação de alguns, mas, após a desintegração da Nova Inglaterra Puritana, se tornou ilusório), o protestantismo da virada do século lançou campanhas para “americanizar” imigrantes, enfatizando o ensino de valores morais e a “educação do caráter”. Os evangelistas modelaram seu evangelho em termos de utilidade prática ao indivíduo e à nação.
Este é o motivo por que Finney é tão popular. Ele foi grandemente responsável pela mudança da ortodoxia reformada, evidente no Grande Avivamento (nos ministérios de Edwards e Whitefield), para o avivalismo arminiano (na realidade, também pelagiano), evidente desde o Segundo Grande Avivamento até ao presente. Para demonstrar a divide do evangelicalismo moderno para com Finney, temos de inicialmente observar seus desvios teológicos. Com base nestes desvios, ele tornou-se o pai de alguns dos grandes desafios contemporâneos dentro das próprias igrejas evangélicas, ou seja, o Movimento de Crescimento de Igrejas, o Pentecostalismo e o Avivalismo Político.
Quem era Charles Finney?
Reagindo contra o calvinismo do Grande Avivamento, os sucessores daquele grande movimento do Espírito afastaram-se do caminho do Senhor e seguiram o dos homens, apartaram-se da pregação de conteúdo objetivo (ou seja, Cristo crucificado) para seguir a ênfase de levar as pessoas a “fazerem uma decisão”.
Charles Finney (1792-1875) ministrou nos rastros do “Segundo Avivamento”, conforme esse tem sido chamado. Era um advogado e membro da igreja presbiteriana; em certo dia, experimentou “um poderoso batismo do Espírito Santo”, que, “à semelhança de uma onda de energia”, ele relatou, “percorreu todo meu ser, parecendo vir em ondas de amor líquido”. Na manhã seguinte, ele informou ao seu primeiro cliente: “Não posso mais defender sua causa; tenho um chamado para defender a causa do Senhor Jesus”. Recusando-se a assistir aulas no Seminário Princeton (ou qualquer outro seminário), Finney começou a promover avivamentos na parte norte do Estado de Nova Iorque. Um de seus mais populares sermões era “Os Pecadores Estão Obrigados a Mudar Seus Próprios Corações”.
Ao considerar qualquer assunto a ser ensinado, esta era a pergunta fundamental de Finney: “Isto é bom para converter pecadores?” Um dos resultados do avivalismo de Finney foi a divisão dos presbiterianos dos Estados de Filadélfia e de Nova Iorque em facções calvinistas e arminianas. As “Novas Medidas” de Finney incluíam o “banco dos ansiosos” (precursor do atual apelo para “vir à frente”), táticas emocionais, que levavam as pessoas a sentirem-se desesperadas e chorarem, e outros “incentivos”, como ele e seus seguidores os chamavam. Finney se tornou mais e mais hostil ao presbiterianismo, referindo-se de maneira crítica na introdução de sua obra “Teologia Sistemática” à Confissão de Westminster e a seus elaboradores, como se eles tivessem criado “um periódico papal” e elevado sua Confissão e Catecismo ao trono do papae ao lugar do Espírito Santo”. De maneira notável, Finney demonstra quão profundamente o avivalismo arminiano, por causa de seu apelo aos sentimentos naturais, tende a ser uma forma polida de liberalismo teológico, visto que ambos se renderam ao Iluminismo e seu culto do entendimento e da moralidade humana:

“O fato de que a Confissão elaborada pela Assembléia de Westminster seria reconhecida no século XIX como um padrão para a igreja ou para um grupo específico dela não é apenas surpreendente, mas também (tenho de afirmar) é bastante ridículo. É tão ridículo na teologia quanto o seria em qualquer outra ciência. É melhor ter um papa vivo do que um morto”.
O que estava errado na teologia de Finney?
Não precisamos ir além do índice de sua Teologia Sistemática para reconhecer que toda a teologia de Finney girava em torno da moralidade humana. Os capítulos 1 a 5 falam sobre o governo, a obrigação e a unidade de ação moral. Os capítulos 6 e 7 referem-se à “Obediência Completa”; os capítulos 8 a 14 discursam sobre o amor, o egoísmo, virtudes e pecados em geral. Somente no capítulo 21, o leitor acha alguma coisa especificamente cristã, reportando-se à expiação. A este capítulo segue um discurso sobre a regeneração, o arrependimento e a fé. Existe um capítulo sobre a justificação acompanhado por seis sobre a santificação. Em outras palavras, Finney realmente não escreveu uma Teologia Sistemática, e sim uma coletânea de ensaios a respeito de moralidade.

Entretanto, não estamos afirmando que a obra de Finney não possui algumas declarações teológicas significativas.

Respondendo à pergunta: “O crente deixa de ser crente sempre que comete um pecado?”, Finney disse:

“Sempre que comete pecado, o crente deixa de ser santo. Isto é evidente. Sempre que peca, ele precisa ser condenado; tem de incorrer na penalidade da lei de Deus. Se alguém disser que o preceito da lei ainda vigora, mas que, no caso do crente, a penalidade foi anulada para sempre, eu respondo afirmando que anular a penalidade da lei é cancelar seu preceito, pois, se o preceito não demanda punição, não existe lei, e sim apenas uma advertência ou conselho. Por conseguinte, o crente é justificado em proporção à sua obediência e precisa ser condenado, quando pecar; de outra forma, o antinomianismo se torna verdadeiro... Neste sentido, o crente que peca e o incrédulo encontram-se exatamente na mesma situação”.
Finney acreditava que Deus exige perfeição absoluta, mas, ao invés de levar as pessoas a buscarem a perfeita justiça em Cristo, ele concluiu que:
“...a plena obediência no presente é a condição da justificação. Porém, quanto à pergunta: o homem pode ser justificado enquanto o pecado permanece nele?, respondemos: é certo que não, quer seja com base em princípios da lei ou do evangelho, a menos que a lei seja anulada. Ele pode ser perdoado, aceito e justificado, no sentido evangélico, enquanto o pecado, em qualquer grau, permanece nele? Absolutamente, não".
Posteriormente falaremos mais sobre a doutrina da justificação ensinada por Finney, mas agora já podemos ressaltar que ela está fundamentada sobre a negação da doutrina do pecado original. Afirmado tanto por católicos quanto por evangélicos, este ensino bíblico repete com insistência que todos somos nascidos em pecado e herdamos a corrupção e a culpa de Adão. Estamos, portanto, em escravidão a uma natureza pecaminosa. Conforme alguém disse: “Nós pecamos porque somos pecadores”; a condição de pecado determina nossos atos pecaminosos, e não vice-versa. Finney, entretanto, seguiu os ensinos de Pelágio, o herege do quinto século, que, por negar essa doutrina, foi condenado pelos concílios da igreja, mais do que qualquer outra pessoa na história eclesiástica.
Ao contrário da doutrina do pecado original, Finney acreditava que os seres humanos são capazes de escolher se desejam ser corruptos por natureza ou redimidos, referindo-se à doutrina do pecado original como “um dogma sem lógica e fundamento bíblico”. Em termos claros, ele negou a idéia de que os homens possuem uma natureza pecaminosa (ibid.). Por conseguinte, se Adão nos leva ao pecado e isto ocorre não porque herdamos a sua culpa ou corrupção, e sim porque seguimos o seu triste exemplo, tal idéia nos conduz a pensar logicamente que Cristo, o Segundo Adão, nos salva por meio de seu exemplo. Este é exatamente o ponto aonde Finney chegou, ao explicar a doutrina da expiação.
A primeira coisa que temos de observar sobre a expiação, dizia Finney, é que Cristo não poderia ter morrido em favor do pecado de qualquer outra pessoa, exceto o dele mesmo. Sua obediência à lei e sua perfeita justiça eram suficientes para salvar somente a Si mesmo, mas não podiam ser aceitas em favor de outros. O fato de que toda a teologia de Finney resultou de uma intensa paixão por aperfeiçoamento moral pode ser visto nesta afirmativa: “Se Cristo tivesse obedecido a lei como nosso Substituto, por que a insistência bíblica sobre nosso retorno à obediência pessoal, apresentando esta obediência como um requisito fundamental para nossa salvação?”.

Em outras palavras, por que Deus insiste em salvar-nos por meio de nossa obediência, se a obra de Cristo foi suficiente? O leitor recordará as palavras do apóstolo Paulo, no que concerne a este assunto: “Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão (Gl 2.21). a resposta de Finney parece concordar com este versículo. A diferença é esta: ele não tinha dificuldade para aceitar ambas as premissas.
É evidente que essa não é toda a verdade, pois Finney acreditava que Cristo havia morrido por algum motivo – não por alguém, mas por alguma coisa. Em outras palavras, Cristo morreu por um objetivo e não por um povo. O objetivo da morte dEle foi reafirmar o governo moral de Deus e conduzir-nos à vida eterna por meio de seu exemplo, assim como o exemplo de Adão nos incita ao pecado. Por que Cristo morreu? Deus sabia que “a expiação ofereceria às criaturas os mais elevados motivos a serem imitados. O exemplo é a mais poderosa influência moral que pode ser praticada... Se a benevolência manifestada na expiação não subjuga o egoísmo dos pecadores, a situação destes é desesperadora”. Portanto, não somos pecadores desesperados que precisam ser redimidos, e sim pecadores desorientados que necessitam de uma demonstração de altruísmo tão co-movente, que seremos motivados a abandonar o egoísmo. Finney não apenas acreditava que a teoria de uma expiação de “influência moral” era a principal maneira de se entender a cruz; ele explicitamente negava a expiação vicária, pois esta “admite que a expiação foi literalmente o pagamento de um débito, que, conforme vimos, não é coerente com a natureza da expiação... É verdade que a expiação, por si mesma, não assegura a salvação de qualquer pessoa”.
Agora consideremos a opinião de Finney a respeito de como se aplica a expiação. Rejeitando o calvinismo ortodoxo dos antigos presbiterianos e congregacionais, Finney argumentou tenazmente contra a crença de que o novo nascimento é um dom de Deus, insistindo que “a regeneração consiste na atitude do próprio pecador mudar sua intenção, sua preferência e sua escolha definitiva; ou mudar do egoísmo para o amor e a benevolência”, impulsionado pela influência moral do comovente exemplo de Cristo. “A pecaminosidade original, a regeneração física e todos os dogmas resultantes e similares a estes opõem-se ao evangelho e são repulsivos à inteligência humana”.
Não levando em conta o pecado original, a expiação vicária e o caráter sobrenatural do novo nascimento, Finney prosseguiu adiante e atacou “o artigo pelo qual a igreja mantém-se de pé ou cai” – a justificação gratuita exclusivamente pela fé.
Os reformadores protestantes insistiam, com base em evidentes textos bíblicos, que a justificação (no grego, “declarar justo”) era um veredicto forense (isto é, “judicial”). Em outras palavras, enquanto o catolicismo romano sustentava que a justificação era um processo para tornar melhor uma pessoa má, os reformadores argumentavam que a justificação era um pronunciamento ou uma declaração de que alguém possuía a retidão de outra pessoa (ou seja, Cristo). Portanto, a justificação

era um veredicto perfeito, outorgado de uma vez por todas, declarando que alguém permanecia íntegro desde o início da vida cristã, e não em qualquer outra etapa desta.
As palavras-chaves da doutrina evangélica eram “forense” (significando “judicial”) e “imputação” (lançar na conta de alguém; opondo-se à idéia de “infusão” de justiça na alma da pessoa”. Sabendo tudo isso, Finney declarou:
“É impossível e absurdo que os pecadores sejam declarados legalmente justos... Conforme veremos, há varias condições, mas apenas um fundamento, para a justificação dos pecadores. Já dissemos que não existe uma justificação no sentido forense ou judicial, e sim uma justificação fundamentada na ininterrupta, perfeita e universal obediência à lei. Isto, sem dúvida, é negado por aqueles que asseveram que a justificação evangélica, ou a justificação de pecadores arrependidos, possui o caráter de uma justificação forense ou judicial. Eles se apegam à máxima judicial de que aquilo que um homem faz através de um outro é considerado como sendo feito por ele mesmo; portanto, a lei considera a obediência de Cristo como nossa, com base no fato de que Ele a obedeceu por nós”.
A isto o próprio Finney respondeu: “A doutrina de uma justiça imputada, ou seja, que a obediência de Cristo à lei foi reputada como nossa, fundamenta-se em uma suposição falsa e sem lógica”. Afinal de contas, a justiça de Cristo “poderia justificar somente a Ele mesmo. Jamais poderia ser imputada a nós... Era naturalmente

impossível para Ele obedecer a lei em nosso favor”. Esta “interpretação da expiação como base da justificação dos pecadores tem sido uma ocasião de tropeço para muitos”.
O conceito de que a fé é a única condição da justificação expressa “um ponto de vista antinomiano”, disse Finney. “Veremos que a perseverança na obediência até ao fim é também uma condição para a justificação”. Além disso, a “santificação presente, no sentido de plena consagração a Deus, é outra condição... da justificação. Alguns teólogos transformaram a justificação em uma condição para a santificação, ao invés de fazerem da santificação uma condição para a justificação. Porém, conforme observaremos, este é um conceito errado sobre a justificação”. Cada ato de pecado exige “uma nova justificação”. Referindo-se “aos elaboradores da Confissão de Fé de Westminster” e ao ponto de vista de uma justiça imputada, Finney admirou-se, afirmando: “Se isto não é antinomianismo, não sei o que é”. Essa imputação lega era irracional para ele, por isso concluiu: “Considero estes dogmas como fantasiosos, descrevendo mais um romance do que um sistema teológico”. Na seção em que falou contra a Assembléia de Westminster, ele finalizou dizendo:
“As relações entre o antigo ponto de vista da justificação e o ponto de vista da depravação é óbvio. Os membros da Assembléia sustentam, conforme já vimos, que a constituição do homem, em todas as suas partes e faculdades, é pecaminosa. Naturalmente, um retorno à santidade pessoal, no presente, no sentido de uma completa conformidade à lei de Deus, na opinião deles, não pode ser uma condição para justificação. Eles precisam ter uma justificação enquanto ainda permanecem em certo grau de pecado. Isto tem de ser realizado por meio da justificação imputada. O intelecto se revolta diante de uma justificação em pecado. Portanto, um método foi inventado para que os olhos da lei e de seu doador sejam retirados do pecador e focalizados em seu Substituto, que obedeceu perfeitamente a lei”.
Finney chamou essa doutrina de “outro evangelho”. Insistindo que a descrição realística de Paulo em Romanos 7 realmente se refere à vida do apóstolo antes que ele houvesse atingido a “perfeita santificação”, Finney ultrapassou Wesley ao argumentar em favor da possibilidade da santificação completa nesta vida. John Wesley dizia que é possível para o crente atingir a plena santificação, mas, quando reconheceu que o melhor dos crentes peca, ele acomodou-se à realidade dos fatos, afirmando que a experiência da “perfeição cristã” era uma questão de coração e não de ações. Em outras palavras, um crente pode ser aperfeiçoado em amor, de modo que este amor se torne a única motivação para as suas atitudes, enquanto ocasionalmente comete erros. Finney rejeitou esta opinião e insistiu que a justificação está condicionada à perfeição completa e total – ou seja, a “inteira conformidade à lei de Deus”, e o crente pode fazer isso; mas, quando ele transgride em algum ponto, uma nova justificação é exigida.
Conforme ressaltou eloqüentemente B. B. Warfield, o teólogo de Princeton, há duas religiões na história da raça humana: o paganismo – da qual o pelagianismo é uma expressão – e a redenção sobrenatural. Juntamente com Warfield e outros que com seriedade advertiram seus irmãos sobre os erros de Finney e seus sucessores, também temos de avaliar as idéias amplamente heterodoxas dos protestantes americanos. Com suas raízes no avivalismo de Finney, talvez o protestantismo liberal e o protestantismo evangélico, afinal de contas, não estejam tão afastados um do outro! As “Novas Medidas” de Finney, semelhantes às do moderno Movimento de Crescimento de Igreja, tornaram a escolha do homem e as emoções o centro do ministério da igreja, ridicularizaram a teologia e substituíram a pregação de Cristo por uma pregação voltada a conversões.
Com base no moralismo natural advogado por Finney, as campanhas políticas e sociais dos cristãos alicerçaram sua fé na humanidade e em seus próprios recursos para a salvação de si mesma. Ecoando um pouco de deísmo, Finney declarou: “Na vida espiritual nada existe além das capacidades naturais; ela consiste totalmente no correto exercício dessas capacidades. É apenas isto e nada mais. Quando a humanidade se torna verdadeiramente religiosa, as pessoas são capacitadas a demonstrar esforços que eram incapazes de manifestar antes. Exercem apenas capacidades que tinham antes, e utilizavam de maneira errônea, e agora as empregam para a glória de Deus”. Deste modo, visto que o novo nascimento é um fenômeno natural, o mesmo ocorre ao avivamento: “Um avivamento não é um milagre, tampouco depende deste, em qualquer sentido; é simplesmente um resultado do filosófico da correta utilização dos meios estabelecidos, assim como qualquer outro resultado produzido pelo emprego destes meios”. A crença de que o novo nascimento e um avivamento dependem necessariamente da atividade divina era perniciosa para Finney. Ele disse: “Nenhuma doutrina é mais perigosa do que esta para o progresso da igreja, e nada pode ser mais absurdo”. Quando os líderes do Movimento de Crescimento de Igreja reivindicam que a teologia impede o crescimento da igreja e insistem que, não importando o que determinada igreja acredita em particular, o crescimento é uma questão de seguir os princípios adequados, estes líderes estão demonstrando seu débito a Finney. Quando os líderes do movimento Vineyard exaltam a iniciativa subcristã de Finney, bem como o gritar, a desordem, o falar alto, o rir e outros fenômenos estranhos, com base na idéia de que “isto funciona” e que devemos julgar a verdade destas coisas pelos frutos produzidos, esses líderes estão seguindo idéias de Finney e de William James, o pai do pragmatismo americano. Este último declarou que uma verdade precisa ser julgada de acordo com “seu valor na prática”.
Deste modo, na teologia de Finney, Deus não é soberano, o homem não é pecador por natureza, a expiação realmente não é um pagamento pelo pecado, a justificação por meio da imputação é um insulto à razão e à moralidade, o novo nascimento é apenas o resultado da utilização de técnicas bem-sucedidas, e o avivamento é o resultado natural de campanhas inteligentes. Em sua recente introdução à edição do bicentenário da Teologia Sistemática de Finney, Harry Conn recomenda o pragmatismo de Finney:“Muitos servos de Deus procuram um evangelho que‘funciona’; sinto-me feliz em declarar que o acharão nesta obra”. Conforme Whitney R. Cross cuidadosamente documentou em seu livro, The Burned – Over District; The Social and Intellectual History of Enth-usiastic Religion in Western New York, 1800-1850, todo o território em que com mais freqüência se realizavam os avivamentos de Finney era também o berço dos cultos perfeccionistas que infestaram aquele século. Um evangelho que “funciona” hoje, para os zelosos perfeccionistas, apenas cria os supercrentes iludidos e esgotados de amanhã.
É desnecessário dizer que a mensagem de Finney é radicalmente contrária à fé evangélica, assim como as diretrizes fundamentais de movimentos vistos ao nosso redor, que demonstram as marcas de Finney: o avivalismo, o perfeccionismo e o emocionalismo pentecostal, e as tendências anti-intelectuais e anti-doutrinárias do fundamentalismo e evangelicalismo moderno. Foi por intermédio do “Movimento da Vida Superior” (Higher Life Moviment), do final do século XIX e início do século XX, que o perfeccionismo de Finney chegou a dominar o recém-nascido movimento dispen- sacionalista através de Lewis Sperry Chafer, fundador do Seminário de Dallas e autor de He That Is Spiritual (Aquele que é Espiritual). Finney, entretanto, não é o único responsável; ele é mais um produto do que um produtor. Apesar disso, a influência que ele exerceu e continua exercendo é abrangente.
O avivalista não apenas abandonou o princípio fundamental da Reforma (a justificação), tornando-se um rebelde contra o cristianismo evangélico, como também rejeitou as doutrinas que têm sido acreditadas por católicos e protestantes (tais como o pecado original e a expiação vicária). Por isso, Finney não é simplesmente um arminiano, mas um pelagiano. Ele não é apenas um inimigo do protestantismo evangélico mas também do cristianismo histórico, no mais abrangente sentido da palavra.
Não enfatizo estas coisas com satisfação, como se desejasse regozijar-me em denunciar os heróis dos evangélicos americanos. Porém, sempre é bom, especialmente quando perdemos algo de valor, retroceder nossos passos, a fim de determinar onde ou quando, pela última vez, o tínhamos em nossa possessão. O propósito deste artigo é focalizar, com sinceridade, o grave afastamento do cristianismo bíblico promovido através do avivalismo americano. Até que sejamos capazes de encarar este afastamento, estaremos perpetuando um caminho perigoso e distorcido. Em uma afirmativa, Finney estava absolutamente correto: o evangelho afirmado e defendido pelos teólogos de Westminster (os quais ele atacou diretamente) e por todos os evangélicos é “outro evangelho”, no sentido de ser distinto daquele que Finney proclamava. A grande questão do momento é: Qual destes é o nosso evangelho?


Michael Horton obteve seu B.A pelo, Biola University; seu mestrado pelo Westminster Seminary California e seu Ph.D pela University of Coventry e Wycliffe Hall, Oxford. É presidente do White Horse Media, Professor de teologia e apologética no Westminster Theological Seminary na Califórnia, nos EUA e editor chefe da revista Modern Reformation. É autor de vinte livros, sendo que vários já foram publicados em português. 

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domingo, janeiro 02, 2011

João Calvino e a Pregação das Escrituras

De humanista a reformador João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, na Província de Picardia (França), na fronteira dos Países Baixos. Seu pai era um advogado que trabalhou para o cônego desta cidade, e sua mãe, uma mulher muito piedosa. Foi enviado para estudar filosofia em Paris, no Collège de Montaigu, mas em 1528, após se desentender com os líderes da igreja, seu pai o enviou para estudar direito em Orléans e grego em Bourges. Em 1531, com a morte do pai, retornou a Paris para dedicar-se ao seu interesse predileto, a literatura clássica.
Em 1533, converteu-se à fé evangélica e a respeito deste fato disse:

"Minha mente, que, a despeito de minha juventude, estivera por demais empedernida em tais assuntos, agora estava preparada para uma atenção séria. Por uma súbita conversão, Deus transformou-a e trouxe-a à docilidade".
No final desse ano, teve de fugir de Paris sob acusação de ser coautor de um discurso simpático aos protestantes, proferido por Nicholas Cop, o novo reitor da Universidade de Paris. Refugiou-se na casa de um amigo em Angoulême, onde começou a escrever a sua principal obra teológica. Em março de 1535, foi publicada em Basiléia a primeira edição das Institutas da Religião Cristã, que seria "uma chave para abrir o caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e correto das Escrituras Sagradas".
Em 1536, ao passar por Genebra, foi coagido por Guillaume Farel a iniciar um trabalho ali. Calvino ficou chocado com a idéia, pois se sentiu despreparado para a tarefa. Ele poderia fazer mais pela igreja através de seus estudos e de seus escritos.
Nesse momento, Farel trovejou a ira de Deus sobre Calvino com palavras que este jamais esqueceria – Deus amaldiçoaria o seu lazer e os seus estudos se, em tão grave emergência, ele se retirasse, recusando-se a ajudar. A primeira estadia de Calvino em Genebra durou menos de dois anos. O seu primeiro catecismo e confissão de fé foram adotados, mas ele e Farel entraram em conflito com as autoridades civis acerca de questões eclesiásticas: disciplina, adesão à confissão de fé e práticas litúrgicas.
De 1538 a 1541, mudou-se para Estrasburgo, onde pastoreou a igreja de refugiados franceses. Um refugiado que visitou a igreja de Calvino fez a seguinte descrição do culto:

"Todos cantam, homens e mulheres; e é um belo espetáculo. Cada um tem um livro de cânticos nas mãos... Olhando para esse pequeno grupo de exilados, chorei, não de  tristeza, mas de alegria, por ouvi-los todos cantando tão sinceramente, enquanto agradeciam a Deus por tê-los levado a um lugar onde seu nome é glorificado". Lá se casou com Idelette de Bure e travou contato com Martin Bucer, que influenciou profundamente sua teologia, principalmente acerca da doutrina do Espírito Santo e da disciplina clesiástica.

O erudito de Genebra
Em 1541, os genebrinos suplicaram que Calvino retornasse à sua igreja. Ele retornou a Genebra no dia 13 de setembro, viu-se nomeado pregador da antiga igreja de St. Pierre e foi "contemplado com um salário razoável, uma casa ampla e porções anuais de 12  medidas de trigo e 250 galões de vinho". Em 1548, Idelette faleceu, e Calvino nunca mais tornou a casar-se. O único filho que tiveram morreu ainda na infância. No entanto, Calvino não ficou inteiramente só. Tinha muitos amigos, inclusive em outras regiões da Europa, com os quais trocava intensa correspondência. Depois de grandes lutas, conseguiu implementar seu programa de reformas, mudando completamente toda a Genebra, tornando-a um exemplo para toda a cristandade, "a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos", como o reformador escocês John Knox disse. 
Em 6 de fevereiro de 1564, Calvino, muito enfermo, foi transportado para a igreja numa cadeira, pregando então com dificuldade o seu último sermão. No dia de Páscoa, 2 de abril, foi levado pela última vez à igreja. Participou da ceia e, com a voz trêmula, cantou 
junto com a congregação. Em 28 de abril de 1564, um mês antes de morrer, convocou os ministros de Genebra à sua casa. Tendo-os à sua volta, despediu-se: "A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente, e Deus me deu a graça de escrever. 
Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei fielmente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus". Ele faleceu em 27 de maio de 1564. Calvino foi enterrado em um cemitério comum. Devido a seu próprio pedido, não se ergueu lápide alguma sobre o lugar de sua sepultura.

A pregação como Vox Dei
Calvino definiu assim a comunidade cristã: "Onde quer que vejamos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, não se pode contestar, de modo nenhum, que ali há uma igreja de Deus".
Como o Rev. Paulo Anglada demonstra, o reformador francês elaborou detalhadamente o tema da natureza da pregação como "a voz de Deus". Em seu comentário de Isaías, ele afirma que na pregação "a palavra sai da boca de Deus de tal maneira que ela sai, de igual modo, da boca de homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus instrumentos, a fim de que, pela agência deles, possa fazer conhecida a sua vontade".
Comentando a Epístola aos Gálatas, Calvino enfatiza a eficácia do ministério da Palavra, afirmando: visto que Deus "emprega os ministros e a pregação como seus instrumentos para este propósito, apraz-lhe atribuir a eles a obra que ele mesmo realiza, pelo poder do seu Espírito, em cooperação com os labores do homem". Para Calvino, a leitura e a meditação privadas das Escrituras não substituem o culto público, pois, "entre os muitos nobres dons com os quais Deus adornou a raça humana, um dos mais notáveis é que ele condescende em consagrar bocas e línguas de homens para o seu serviço, fazendo com que a sua própria voz seja ouvida neles". Por essa razão, argumenta Calvino, quem despreza a pregação despreza a Deus, porque ele não fala por novas revelações do céu, mas pela voz de seus ministros, a quem confiou a pregação da sua Palavra. Ao falar Deus aos homens, por meio da pregação, Calvino identifica dois benefícios: "Por um lado, ele [Deus], por meio de um teste admirável, prova a nossa obediência, quando ouvimos seus ministros exatamente como ouviríamos a ele mesmo; enquanto, por outro, ele leva em 
consideração a nossa fraqueza, ao dirigir-se a nós de maneira humana, por meio de intérpretes, a fim de que possa atrair-nos a si mesmo, em vez de afastar-nos por seu trovão".
A importância dada ao sermão se percebe no lugar que ele ocupa na liturgia reformada – o lugar central.
Isso não significa que Calvino tenha dado importância exagerada ao pregador; significa apenas que, para ele, o sermão tem de ser a fiel interpretação da verdade revelada nas Escrituras, dirigida aos problemas do momento. Assim como Calvino cria na presença espiritual de Cristo na administração dos sacramentos, também cria na presença espiritual de Cristo na pregação, salvando os eleitos, edificando e governando sua igreja. Essa concepção sacramental da pregação é afirmada diversas vezes por Calvino nas Institutas. Por exemplo, ao combater o emprego de símbolos visíveis para representar a presença de Cristo no culto, ele afirma que é "pela verdadeira pregação do evangelho", e não por cruzes, que "Cristo é retratado como crucificado diante de nós" (I.11.7).
Citando Agostinho (IV.14.26), que se referia às palavras como sinais, Calvino entendia que na pregação "o Espírito Santo usa as palavras do pregador como ocasião para a presença de Deus em graça e em misericórdia. Neste sentido, as palavras do sermão são  comparáveis aos elementos nos sacramentos" (IV.1.6; 4.14.9-19). Por isso, ele escreveu: "A igreja de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra, e não pelas invenções dos homens [as quais são madeira, feno e palha]".

A prioridade da pregação expositiva
Calvino escreveu: "A majestade das Escrituras merece que seus expositores façam-na evidente, que tratem-na com modéstia e reverência". 
Durante quase 25 anos de ministério na igreja de St. Pierre, em Genebra, seu modelo de pregação foi o mesmo, do começo ao fim, pregando através da Escritura, livro após livro, versículo após versículo.
Uma das mais claras ilustrações de que a pregação seqüencial havia sido uma escolha consciente da parte de Calvino foi este fato: no dia da Páscoa, em 1538, depois de pregar, 
ele deixou o púlpito da igreja de St.
Pierre, banido pelo conselho da cidade; quando retornou, em setembro de 1541, mais de três anos depois, ele continuou a exposição no versículo seguinte.
Como John Piper demonstra, no auge de seu ministério em Genebra, Calvino pregava num livro do Novo Testamento nos domingos pela manhã e à tarde (embora pregasse nos Salmos em algumas tardes) e num livro do Antigo Testamento, nas manhãs, durante a semana. Desse modo, ele expôs a maior parte das Escrituras. Ele começou sua série de pregações expositivas no livro de Atos, em 25 de agosto de 1549 e terminou-a em março de 1554, num total de 89 sermões. Depois, ele prosseguiu para 1 e 2 Tessalonicenses (46 sermões), 1 e 2 Coríntios (186 sermões) e Efésios (48 sermões), até maio de 1558, quando passou um tempo adoentado. Na primavera de 1559, começou a Harmonia dos Evangelhos, série inacabada por conta de sua morte em maio de 1564 (65 sermões). Durante a semana, naquele período, pregou 174 sermões em Ezequiel (1552-1554), 159 sermões em Jó (1554-1555), 200 sermões em Deuteronômio (1555-1556), 353 sermões em Isaías (1556-1559), 123 sermões em Gênesis (1559-1561), 107 sermões em 1 Samuel e 87 sermões em 2 Samuel (1561-1563), e assim por diante. Os livros que ele pregou do primeiro ao último capítulo foram: Gênesis, Deuteronômio, Jó, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, Profetas Maiores e Menores, Evangelhos Sinóticos, Atos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Hebreus. Por que este compromisso com a centralidade da pregação expositiva seqüencial? Piper sugere as seguintes espostas:

1. Calvino acreditava que a Escritura era a lâmpada que havia sido tirada das igrejas: "Tua Palavra, que deveria ter brilhado sobre todas as pessoas como uma lâmpada, foi retirada ou, pelo menos, suprimida de nós... E agora, ó Senhor, o que resta a um miserável como eu a não ser... suplicar-te sinceramente que não me julgues de acordo com [meus] desertos, aquele terrível abandono da tua Palavra em que vivi e do qual, na tua maravilhosa bondade, me livraste". Calvino considerou que essa contínua exposição de livros da Bíblia era a melhor maneira de superar o "terrível abandono da Palavra [de Deus]".

2. Calvino tinha aversão a quem pregava suas próprias idéias no púlpito: "Quando adentramos o púlpito, não podemos levar conosco nossos próprios sonhos e fantasias".
Acreditava que, expondo as Escrituras por completo, seria forçado a lidar com o que Deus queria dizer, não somente com o que ele talvez gostaria de dizer.

3. Ele acreditava que a Palavra de Deus era, de fato, a Palavra de Deus e que toda ela era inspirada, proveitosa e fulgurante como a luz da glória de Deus: "Que os pastores ousem corajosamente todas as coisas pela Palavra de Deus...
Que contenham e comandem todo poder, glória e excelência do mundo, que dêem lugar e obedeçam à divina majestade dessa Palavra.
Que encarreguem o mundo todo de fazer isso, desde o maior até ao menor. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás. Que cuidem das ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que amarrem e libertem trovões e raios, se necessário, mas que façam tudo isso de acordo com a Palavra de Deus".
Como Piper destaca, a ênfase aqui é "a divina majestade dessa Palavra". Este sempre foi o assunto fundamental para Calvino. Como poderia expor, da melhor maneira possível, a majestade de Deus? Sua resposta foi dada com uma vida de pregação expositiva contínua. Não havia maneira melhor para manifestar a completa extensão da glória e da majestade de Deus do que difundir toda a Palavra de Deus no contexto do ministério pastoral.

A estrutura do sermão
James Boyce escreveu: "Calvino era antes de tudo um pregador e, como pregador, via-se a si mesmo como um professor da Bíblia... Ele considerava a pregação o seu trabalho mais importante". Cerca de dois mil dos sermões de Calvino foram preservados. Expondo parágrafos e versículos, ele seguia através de um profeta, de um salmo, de um evangelho ou de uma epístola. Como Boyce descreveu: "Ele começava no primeiro versículo do livro e tratava de seções contínuas, de quatro ou cinco versículos, até que chegava ao fim e, neste ponto, dava início a outro livro". Não havia uma palavra de discordância com as Escrituras, nem uma inferência depreciativa, nem uma fuga das dificuldades, embora ele evitasse as especulações infundadas: "Visto que revelar a mente do autor é a única tarefa do intérprete, ele erra o alvo ou, pelo menos, desvia-se de seus limites quando afasta seus leitores do propósito do autor... É... presunção e quase blasfêmia distorcer o significado das Escrituras, agindo sem o devido cuidado, como se isso fosse um jogo que  estivéssemos jogando". Por isso, ele enfatizou: "O verdadeiro significado das Escrituras é aquele que é natural e óbvio". Ele renunciou tudo que pudesse trazer-lhe notoriedade, colocando toda sua formação a serviço da fé cristã.
Não é possível descobrir nos sermões de Calvino o arranjo homilético segundo as normas atuais de pregação. Em muitos casos, Calvino tomava o texto, analisava-o e aplicava-o sucessivamente durante cerca de uma hora, o que conferia à mensagem um tom livre e informal.
Como Steven Lawson nota, a introdução do sermão era curta, sucinta e direta, consistindo de um breve comentário que lembrava a congregação o que a passagem anterior dizia,colocava os próximos versículos no contexto ou mostrava o argumento central da passagem pregada, relacionando-a ao contexto da estrutura do livro que estava sendo exposto.
Por isso, pode-se perceber que há uma ordem e um arranjo lógico e um desenvolvimento progressivo nas suas mensagens. Seus sermões não são exemplos de beleza e estilo por duas razões: ele pregava sem esboço, pois tinha de pregar quase diariamente; e tinha um profundo respeito para com a Palavra de Deus, a ponto de pensar que um estilo excessivamente elaborado poderia prejudicar a clareza da mensagem.

Neste caso, a pregação sem anotações era uma reação ao costume daquela época, quando os sermões eram lidos e se tornavam frios, sem entusiasmo e sem energia. Por outro lado, de acordo com Lawson, ainda que pregasse sem anotações, seus sermões testemunham um uso impressionante de frases curtas compostas de sujeito, verbo e predicado e fáceis de assimilar, palavras simples e expressões coloquiais, figuras de linguagem, perguntas retóricas, paráfrases e repetições, ironia mordaz e linguagem instigante.
Carl G. Kromminga afirmou que Calvino viveu e trabalhou como se estivesse na presença de Deus. Por isso, o empenho de Calvino era trazer os homens à presença de Deus.
Isto é ainda mais evidente em seus sermões, que eram sempre cruciais e decisivos. T. H. L. Parker escreveu: "A pregação expositiva consiste na explanação e aplicação de uma 
passagem das Escrituras. Sem explanação, ela não é expositiva; sem aplicação, ela não é pregação". Por isso, Calvino escreveu que os ouvintes do sermão deveriam cultivar um "desejo de obedecer a Deus de forma completa e incondicional". E acrescentou: "Não assistimos à pregação meramente para ouvir o que não sabemos, mas para sermos encorajados a fazer nossa obrigação".
Por isso, seus sermões partiam das Escrituras para a situação concreta e presente em Genebra, incluindo exortação pastoral, exame pessoal, repreensão amorosa, confrontação, usando muitas vezes pronomes na primeira pessoa do plural.
Nem sempre Calvino usou ilustrações, e, quando as usava, elas eram raramente de fora da Escritura. No entanto, ele estabelecia comparações com o quadro da vida diária para tornar bem accessível ao seu ouvinte a mensagem da Palavra de Deus. Kromminga aponta as metáforas, as exclamações e outros recursos da oratória que contribuíram para tornar efetiva a sua mensagem.
E, na conclusão de cada sermão, ele fazia primeiramente um resumo da verdade que explicara num parágrafo curto; depois, instava de forma direta seus ouvintes a que se submetessem ao Senhor, em arrependimento, obediência e humildade.
Finalmente, ele concluía com uma oração, confiando seu rebanho a Deus.
Precisa ser ressaltado que Calvino acreditava que Paulo havia providenciado um modelo para o ministério da Palavra, quando falou sobre como ele, Paulo, não cessava de admoestar tanto "publicamente" quanto de "casa em casa". Por ter uma verdadeira preocupação pastoral por aqueles para quem estava pregando, Calvino procurou visitá-los em seus lares. "O que quer que os outros pensem", Calvino escreveu, "não julgaremos o nosso ofício como algo que possui limites tão estreitos, que, terminado o sermão, possamos descansar achando que concluímos a nossa tarefa. Aqueles cujo sangue será requerido de nós, se os perdermos por causa de nossa preguiça, devem receber cuidado mais íntimo e mais vigilante". Portanto, a pregação requer ser suplementada com uma entrevista pastoral. "Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso". Calvino insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.

O papel do pregador
O centro da atenção de Calvino era a vontade de Deus, era a revelação da face de Deus e o empenho em trazer o ouvinte à presença do Senhor. Ou na pregação da mais profunda doutrina, ou em algum tema ligado à vida prática, Calvino chamava continuamente os seus ouvintes à face de Deus. Em 1537, aos 29 anos, num de seus primeiros livros, Breve Instrução Cristã, ele escreveu:

Como o Senhor desejou que tanto a Sua Palavra como as Suas ordenanças fossem dispensadas ou administradas por meio do ministério de homens, é necessário que haja pastores ordenados nas igrejas, para ensinarem ao povo a sã doutrina, pública e privadamente; administrarem as ordenanças e darem a todos o bom exemplo de uma vida pura e santa... Lembremo-nos, contudo, que a autoridade que as Escrituras atribuem aos pastores está plenamente contida nos limites do ministério da Palavra, pois o fato é que Cristo não deu esta autoridade a homens, e sim à Palavra da qual Ele faz esses homens servos.
Portanto, que os ministros da Palavra se disponham a fazer todas as coisas por meio dessa Palavra que eles foram designados a apresentar.
Que eles façam com que todos os poderes, todas as celebridades e todas as pessoas de alta posição no mundo se humilhem, a fim de obedecerem à majestade dessa Palavra.
Por meio dessa Palavra, que eles dêem ordens a todo o mundo, do maior ao menor; que edifiquem a casa de Cristo, ponham abaixo o reino de Satanás, pastoreiem as ovelhas, matem os lobos, instruam e encorajem os que se deixam ensinar; acusem, repreendam e convençam os rebeldes dos seus pecados – mas tudo pela Palavra de Deus.
Se alguma vez eles se apartarem dessa Palavra, para seguirem as fantasias e invenções da sua própria cabeça, daí em diante não devem ser recebidos como pastores; ao contrário, são lobos perniciosos que devem ser postos fora! Pois Cristo estabeleceu que não devemos dar ouvidos a ninguém, exceto àqueles que nos ensinam o que extraíram de Sua Palavra.
Não será disso que necessitamos com urgência hoje? Porventura, será que não precisamos hoje de uma revitalização da mensagem ao estilo de Calvino, de modo a colocar a comunidade cristã face a face com Deus?



Franklin Ferreira

É Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil no Rio de Janeiro (1997-2007) e professor visitante no Seminário Teológico Servo de Cristo, São Paulo (2002-2006). É membro da equipe editorial da Editora Fiel e autor dos livros Gigantes da Fé e Agostinho de A a Z.