sexta-feira, setembro 30, 2011

O Declínio da Pregação Contemporânea

Você já percebeu como diversos comerciais de televisão não falam especificamente sobre os produtos que anunciam? Um anúncio de jeans apresenta um comovente drama a respeito da infelicidade dos adolescentes, mas não se refere ao jeans. Um comercial de perfumes mostra uma coletânea de imagens sensuais sem qualquer referência ao produto anunciado. As propagandas de cerveja são algumas das mais criativas da televisão, mas falam muito pouco sobre a própria cerveja.
Esses comerciais são produzidos com o objetivo de entreter, criar disposição e apelar às nossas emoções, mas não para transmitir informações. Com freqüência, eles são os mais eficientes, visto serem os que fazem melhor proveito da televisão. São produtos naturais de um veículo de comunicação que promove uma visão surrealista do mundo.
A televisão mescla sutilmente a vida real com a ilusão. A verdade é irrelevante. O que realmente importa é se estamos sendo entretidos. A essência não significa nada; o estilo de vida é o que mais interessa. Nas palavras de Marshall McLuhan, o instrumento é a mensagem.
Amusing Ouselves to Death (Divertindo-nos até à morte) é um livro perceptivo mas inquietante escrito por Neil Postman, professor da Universidade de Nova Iorque. Ele argumenta que a televisão nos tem mutilado a capacidade de pensar e reduzido nossa aptidão para a verdadeira comunicação.
Postman assegura que, ao invés de nos tornar a mais informada e erudita de todas as gerações da História, a televisão tem inundado nossas mentes com informações irrelevantes, sem significado. Ela nos tem condicionado apenas ao entretenimento, tornando obsoletas outras formas de interação humana.
Postman ressalta que até os noticiários são uma apresentação teatral. Jornalistas simpáticos relatam calmamente breves notícias sobre guerras, assassinatos, crimes e desastres naturais. Essas histórias catastróficas são intercaladas por comerciais que banalizam suas informações, isolando-as de seu contexto. Em seu livro, Postman registra um noticiário em que um almirante declarou que uma guerra nuclear mundial seria inevitável. No próximo segmento da programação, houve um comercial do Rei dos Hamburgers. Não se espera que nossa reação seja racional. Nas palavras de Postman, .os espectadores não reagirão com um senso da realidade, assim como a audiência no teatro não sairá correndo para casa, porque alguém no palco disse que um assassino estava solto na vizinhança..
A televisão não pode exigir uma resposta sensata. As pessoas ligamna para se divertir, não para serem desafiadas a pensar. Se um programa exige que pensemos ou demanda muito de nossas faculdades intelectuais, ninguém o assiste.
A televisão tem diminuído o alcance de nossa atenção. Por exemplo, alguma pessoa de nossa sociedade ficaria de pé, entre uma sufocante multidão, durante sete horas para ouvir os debates dos candidatos a presidente da República? Sinceramente, é muito difícil imaginar que nossos antepassados possuíam esse tipo de paciência. Temos permitido a televisão nos fazer pensar que sabemos mais agora, enquanto na verdade estamos perdendo nossa tolerância na área de pensar e aprender.
Sem dúvida, a mensagem mais vigorosa do livro de Postman está em um capítulo sobre religião. Esse homem não-crente escreve com profundo discernimento a respeito do declínio da pregação. Ele contrasta a pregação contemporânea com o ministério de homens como Jonathan Edwards, George Whitefield e outros. Estes homens contavam com um profundo conteúdo, lógica e conhecimento das Escrituras. Em contraste, a pregação de nossos dias é superficial, com ênfase no estilo e nas emoções. Na definição moderna, a .boa. pregação tem de ser, antes de tudo, breve e estimulante. Consiste em entretenimento, não em ensino, repreensão, correção ou educação na justiça (2 Tm 3.16).
O modelo da pregação moderna é o evangelista esperto que exagera as emoções, traz consigo um microfone, enquanto anda pomposamente ao redor do púlpito, levando os ouvintes a baterem palmas, movimentarem- se e fazerem aclamações em voz bem alta, ao tempo em que ele os incita a um frenesi. Não existe alimento espiritual na mensagem, mas quem se importa, visto que a resposta é entusiástica?
É lógico que a pregação em muitas das igrejas conservadoras não se realiza de maneira tão exagerada assim. Mas, infelizmente, até algumas das melhores pregações de nossos dias contêm mais entretenimento do que ensino. Muitas igrejas têm um sermão característico de meia hora, repleto de histórias engraçadas e pouco ensino.
Na verdade, muitos pregadores consideram o ensino de doutrinas como algo indesejável e sem utilidade prática. Uma grande revista evangélica recentemente publicou um artigo escrito por um famoso pregador carismático. Ele utilizou uma página inteira para falar sobre a futilidade tanto de pregar quanto de ouvir sermões que vão além de mero entretenimento. Qual foi a sua conclusão? As pessoas não recordam aquilo que você pregou; por isso, a maior parte da pregação é perda de tempo. .Procurarei fazer melhor no próximo ano., ele escreveu, .isto significa desperdiçar menos tempo ouvindo sermões demorados e gastando mais tempo preparando sermões curtos. As pessoas, eu descobri, perdoarão uma teologia pobre, se o culto matinal terminar antes do meio-dia..
Isto resume com perfeição a atitude que predomina na igreja moderna. Existe uma semelhança entre esse tipo de pregação e os comerciais de jeans, perfume e cerveja na televisão. Assim como os comerciais, a pregação moderna tem o objetivo de criar uma disposição íntima, evocar uma resposta emocional e entreter, mas não o de comunicar necessariamente algo da essência das Escrituras. Esse tipo de pregação é uma completa acomodação a uma sociedade educada pela televisão. Segue o que é agradável, porém revela pouca preocupação com a verdade. Não é o tipo de pregação ordenada nas Escrituras. Temos de pregar a Palavra (2 Tm 4.2); falar .o que convém à sã doutrina. (Tt 2.1); ensinar e recomendar .o ensino segundo a piedade. (1 Tm 6.3). É impossível fazer estas coisas se nosso alvo é entreter as pessoas.
O futuro da pregação expositiva é incerto. O que um pastor sincero tem de fazer para alcançar pessoas que se mostram indispostas e incapazes de ouvir com atenção e raciocínio exposições da verdade divina? Este é o grande desafio para os líderes da igreja contemporânea. Não devemos nos render à pressão para sermos superficiais. Temos de encontrar maneiras de fazer conhecida a Palavra de Deus a uma geração que não apenas recusa-se a ouvir, mas também não sabe como ouvir.
Fonte: Editora Fiel

quarta-feira, setembro 28, 2011

Apreciando o Caráter do Puritanismo

Examinando grande parte dos livros e afirmações a respeito dos puritanos — até pelos evangélicos — percebemos que seus autores tendem a ser criticados pela imprensa. De fato, o título “puritano” foi criado originalmente como um pejorativo, e muitos ainda o vêem assim em nossos dias. Em um sentido, não é difícil identificar erros, falhas e incoerências naqueles que levavam este nome, nos séculos XVI e XVII, bem como naqueles que são os descendentes espirituais deles. No entanto, focalizar-se nisso equivaleria a ignorar as realizações incríveis destes homens em muitos aspectos da vida.
J. I. Packer entendeu o significado e a relevância dos puritanos, ao compará-los com as sequóias do Norte da Califórnia: “Assim como as sequóias são atraentes aos olhos, porque sobrepujam o topo das outras árvores, assim também a santidade e a firmeza dos grandes puritanos resplandecem como um farol, sobrepujando a estatura da maioria dos crentes, em muitas épocas e, especialmente, nesta época de coletivismo urbano angustiante, quando os crentes do Ocidente sentem-se e, às vezes, assemelham-se a formigas em um formigueiro e marionetes em atividade... Nesta situação, o ensino e o exemplo dos puritanos têm muito a dizer-nos”.
Isso nos deixa admirados. Qual era, então, o caráter do puritanismo, que lhe deu tão amplo alcance e importância duradoura? Podemos selecionar cinco das principais características dignas de consideração:

1.A OPINIÃO DELES A RESPEITO DE DEUS
Tudo em que os puritanos criam originava-se de sua opinião a respeito de Deus. (Isso também a verdade no que concerne aos seus precursores na Reforma, tanto na Europa como na Inglaterra.) Isto é ilustrado pelo fato de que o primeiro apelido depreciativo vinculado a esses homens foi “os precisos” ou “os precisionistas”.
Quando um nobre perguntou a Richard Rogers (um ministro em Wetherfield, Essex) o que o tornava tão preciso, ele respondeu: “Senhor, eu sirvo a um Deus preciso”.
Veja o que está errado em muitas igrejas hoje: os crentes aceitam um ponto de vista sobre Deus que tem sido distorcido em nome do cristianismo popular. Nos anos 1950, J. B. Phillips expressou isso em um livrete intitulado Your God is Too Small (Seu Deus é Pequeno Demais). A restauração de saúde e vigor às igrejas está vinculada à necessidade de resgatarmos uma opinião elevada a respeito de Deus.

2.A ESTIMA DAS ESCRITURAS
Essa consideração das Escrituras é expressa com concisão na Pergunta 2, do Breve Catecismo de Westminster: Que norma Deus nos tem dado a respeito de como podemos glorificá-Lo e desfrutar dEle? Resposta: a Palavra de Deus, contida nas Escrituras do Antigo e Novo testamento, é uma norma verdadeira para nos guiar em como podemos glorificá-Lo e desfrutar dEle. Ao fazer esta afirmação e colocá-la em seu catecismo, estes homens estavam apenas reiterando o princípio Sola Scriptura, que estava no âmago da Reforma Protestante, e protegendo a essência tanto do evangelho como da igreja. O problema de nossos dias não é somente que as Escrituras são rivalizadas com muitas outras formas de revelação, mas também que, muito freqüentemente, elas estão subordinadas à razão. Se o espírito do não-conformismo tem de sobreviver, ele não deve prostrarse nem à nova revelação, nem à erudição, mas somente à Palavra de Deus.

3.O ENTENDIMENTO DA SALVAÇÃO
É comum na teologia contemporânea — pelo menos na teologia popular — imaginar a salvação como “o ponto de conversão”. Mas isso significa perder de vista os horizontes mais amplos da salvação. Thomas Manton nos dá um vislumbre do entendimento bem estruturado da doutrina da salvação, um entendimento que era característico de seus colegas puritanos e moldava a opinião deles sobre o evangelho:
“O resumo do evangelho é isto: todos aqueles que, por meio de arrependimento e fé, abandonarem a carne, o mundo e o diabo, entregando-se ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como seu Criador, Redentor e Santificador, encontrarão a Deus como o Pai que os recebe como filhos reconciliados, que perdoa os seus pecados, por amor a Jesus, e lhes dá graça, por meio de seu Espírito. E, se perseverarem neste caminho, Ele os glorificará no final e lhes outorgará a felicidade eterna”.
Este entendimento amplo da salvação explica o uso que os puritanos faziam do termo “regeneração” e sua riquíssima compreensão do evangelismo. Também explica a disparidade entre as expectativas referentes à conversão em nossos dias e a maneira como elas se cumprem, uma disparidade que resulta de nosso entendimento restrito da salvação.

4. A APRECIAÇÃO DA IGREJA
Se existe um elemento que pode ser identificado como o principal catalizador para o surgimento dos puritanos, esse elemento era a preocupação deles com a reforma da igreja. Eles tinham um conceito elevado da igreja. Isto começou a se tornar evidente no criticismo deles em relação aos decretos religiosos de Elizabeth.
Muitos dos puritanos jovens eram graduados de Cambridge e entraram no ministério da Igreja Anglicana a fim de pressionar por uma reforma permanente que afetaria cada igreja local. O individualismo pós-iluminista que se tornou a característica peculiar da igreja do século XXI nos roubou este conceito dos puritanos, os quais viam a igreja como o corpo glorioso e a noiva radiante de Cristo — a doutrina da igreja é a Cinderela da teologia.

5. A PREOCUPAÇÃO PELO MUNDO COMO UM TODO
O quinto distintivo digno de ser ressaltado a respeito dos puritanos é o ponto de vista deles sobre a vida e a comunidade como uma unidade integrada. Os puritanos criam que Deus havia sancionado a vida solidária na sociedade. Isso se refletiu nos ousados (mas imperfeitos) esforços deles na esfera política, alcançando seu zênite na Revolução Gloriosa e no estabelecimento do Commonwealth.
Embora os puritanos diferissem quanto à natureza do relacionamento entre a Igreja e o Estado, eles sustentavam a convicção de que a igreja tinha um papel, dado por Deus, em referência à vida da comunidade como um todo, um papel que ia além da necessidade de evangelismo.
A reação contra as aberrações do que se tornou conhecido como o Evangelho Social, na primeira metade do século XX, levou, em muitos casos, à negligência de uma responsabilidade social mais ampla, em muitas igrejas não-conformistas. Contudo, parte significativa da herança puritana ainda se mantém preocupada em que a verdade de Deus seja aplicada aos interesses políticos e sociais, capacitando os crentes a agirem como sal e luz em um mundo de trevas e deterioração.
O problema de grande parte do ressurgimento do interesse pelos puritanos, ressurgimento esse que varreu a Inglaterra na metade do século passado, é que ele aceitou apenas a soteriologia puritano-reformada — uma soteriologia que não assimila a grandeza e a integridade do ponto de vista de nossos antepassados espirituais, que consideram o mundo como parte da vida. (Admiravelmente, isto se contrasta com o ressurgimento correspondente que aconteceu nas igrejas dos Estados Unidos.) Se tem de haver um futuro para o não-conformismo, na misericórdia de Deus, precisamos apreciar novamente o caráter deste movimento, desde os seus primeiros dias.
Fonte:Fé Para Hoje Número 30, Ano 2007

quinta-feira, setembro 15, 2011

O Zelo de Richard Baxter

Esboçarei a vida de Richard Baxter e, em seguida, destacarei o seu zelo, expresso em sua extraordinária obra pastoral, em Kidderminster, e em seu clássico The Reformed Pastor (O Pastor Aprovado).
Um esboço de sua vida
Richard Baxter nasceu em 1615. Diferentemente da maioria dos famosos ministros puritanos, Baxter não desfrutou de estudos nas universidades de Oxford ou Cambridge. Ele estudou na modesta Escola Pública Donnington. Depois, foi um autodidata. Leitor ávido, Baxter estudou amplamente vários assuntos. Deste modo, tornou-se um homem de excepcional conhecimento e habilidade para debates. Foi ordenado diácono pelo bispo de Worcester, em 1638. Por breve tempo (1641-1642), Baxter trabalhou como preletor e co-pastor em Kidderminster. Em 1642, o país se envolveu em guerra civil. Baxter serviu como capelão no Exército do Parlamento até 1647, retornando a Kidderminster como pastor. Ali, ele trabalhou até 1661. Estes 14 anos, em que teve a idade de 32 a 46 anos, foram notáveis por causa da transformação espiritual operada na cidade. Aquele município foi tão abençoado que se tornou um referencial na história evangélica da Inglaterra.
Quase no fim de seu ministério em Kidderminster, uma viúva chamada Mary Hanmer veio morar na cidade, a fim de obter benefícios do ministério de Baxter. Ela estava acompanhada de sua filha Margaret, que tinha 16 anos de idade, e que era mundana e indiferente ao evangelho. Nos quatro anos seguintes, Margaret foi afetada pelo ministério de Baxter e aos 20 anos foi convertida. Durante este tempo, ela se apaixonou por Baxter, que considerava o celibato ideal para um ministro. Ele proclamava isto com entusiasmo — um ponto de vista que consistia um grande contraste com os puritanos ingleses, os quais afirmavam, com vigor, a doutrina bíblica do casamento e da família. Richard Baxter deixou Kidderminster, para viver em Londres, onde ele usou toda influência possível a fim de obter um tratamento justo para os puritanos. Mary e Margaret o seguiram e passaram a morar perto dele. O Ato de Uniformidade, sancionado pelo Parlamento, em 1662, era rígido e severamente contrário à consciência dos puritanos.
O Ato de Uniformidade levou os puritanos a deixarem a Igreja Anglicana. Cerca de 2.000 ministros puritanos sofreram a perda de seu sustento, naquilo que, na História, ficou conhecido como a Grande Expulsão. É claro que isto incluiu Baxter. Sua vida foi arruinada: fora cruelmente despojado de sua razão de ser. Ele era pastor por natureza, agora sem igreja; um pregador nato, sem púlpito. A sua justificativa para o celibato desapareceu. Baxter se casou com Margaret em 19 de setembro de 1662. Ela estaria sempre com ele, confortando-o, prestando-lhe cuidado nas freqüentes enfermidades, apoiando todos os interesses práticos de sua vida. Viver com Margaret foi a maior consolação desfrutada por ele durante os anos difíceis que vieram depois. O restante da vida de Baxter foi marcado por aflições. Em 1669, ficou preso por mais de uma semana em Clerkenwell e por 21 meses em Southwark (1685-1686). Ele nunca teve uma saúde robusta e precisou lutar contra graves surtos de enfermidade.
Em novembro de 1672, Baxter pregou publicamente pela primeira vez em dez anos. Margaret (1636-1681) empregou, com generosidade, parte considerável de sua herança para garantir que Richard Baxter exercesse um ministério público eficiente. Ela alugou um salão público, onde cabiam 800 pessoas, em uma das áreas mais carentes de Londres e contratou algumas pessoas para ajudarem Baxter em seu ministério.
Durante o tempo de exclusão do ministério público, Richard Baxter usou seu tempo para escrever. Seus escritos excederam, em quantidade, os de John Owen. Diferentemente de John Owen, que talvez seja o melhor teólogo de língua inglesa, Richard Baxter era neonomiano e amiraldiano. Infelizmente, isto produziu confusão teológica nas duas gerações seguintes. Os leitores dos três clássicos de Baxter — O Descanso Eterno dos Santos (“The Saints’ Ever- lasting Rest”), uma explicação a respeito do céu; Um Apelo ao Não-convertido (“A Call to the Unconverted”) e O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”) — não perceberão estes erros. É mais fácil ler Baxter que Owen. A sua obra mais extensa intitula-se Diretório Cristão (“Christian Directory”) e aborda cada aspecto da vida cristã sob um ponto de vista prático. É na aplicação prática das Escrituras que vemos o melhor de Baxter. Ele possuía um poderoso dom de constranger e levar a consciência à obediência.
Richard Baxter era sempre zeloso no que se refere à obra missionária. Ele foi um dos principais motivadores do estabelecimento da Sociedade de Propagação do Evangelho. John Eliot, famoso como “o apóstolo dos índios americanos”, encontrou em Baxter um excelente auxiliador. Durante a sua última enfermidade, em 1691, Baxter leu A Vida de Eliot e escreveu ao seu autor, Increase Mather: “Pensei que morreria por volta das 12 horas, na cama, mas o seu livro vivificou-me. Conheço muitas das opiniões do Sr. Eliot, por meio das várias cartas que recebi dele. Não houve na terra um homem que honrei mais do que ele. A obra evangélica de Eliot é a sucessão apostólica pela qual eu mesmo suplico”.

Evangelismo zeloso em Kidderminster
Na qualidade de pastor, Richard Baxter era excepcional. O sucesso do evangelho em Kidderminster, sob a liderança dele, foi singular. Não podemos encontrar na história evangélica da Inglaterra algo que se compare com este sucesso.
A cidade tinha aproximadamente 800 casas e uma população entre 2.000 e 4.000 pessoas. Baxter percebeu que eles eram “ignorantes, rudes e festeiros”. Uma notável mudança ocorreu. “Quando comecei meus trabalhos, tive cuidado especial por todos os que eram humildes, reformados ou convertidos. Mas, quando já havia trabalhado por bom tempo, aprouve a Deus que os convertidos fossem tantos, que não pude me dar ao luxo de gastar tempo com observações particulares; famílias e considerável número de pessoas vieram de uma só vez, amadureceram e cresceram, de um modo que não sei explicar”. O método de Baxter consistia em visitar casa por casa e ser bastante direto no assunto de conhecer a Deus com fé salvadora.
No prédio da igreja cabiam 1.000 pessoas. Cinco galerias foram acrescentadas para acomodar a congregação.Quando Baxter chegou a esta pobre cidade, onde a tecelagem era a principal atividade, ela era um deserto espiritual. Quando ele deixou Kidderminster, era um jardim belo e promissor. “No Dia do Senhor, qualquer um que caminhasse pelas ruas poderia ouvir centenas de famílias cantando salmos e repetindo sermões. Quando cheguei ali, somente uma família, em cada rua, adorava a Deus e invocava o seu nome. Quando saí, havia algumas ruas em que não havia nem uma família que não confessasse uma piedade séria, que nos dava esperança quanto à sinceridade deles.”
Posteriormente, Baxter escreveu: “Embora eu tenha estado ausente deles por quase seis anos e tenham sido assaltados por ameaças, calúnias e difamações a respeito da pregação, eles permanecem firmes e mantêm a sua integridade. Muitos deles estão com o Senhor. Alguns foram expulsos; alguns estão presos. Mas nenhum deles, sobre os quais tenho ouvido, caiu ou abandonou a sua retidão”. Quando, em dezembro de 1743, George Whitefield visitou Kidderminster, ele escreveu a um amigo: “Fui grandemente revigorado ao ver que o agradável aroma da boa doutrina, da obra e da disciplina do Sr. Baxter permanece até hoje”.
A principal diferença entre Baxter e a maioria dos pastores, do passado e do presente, é que ele combinava a pregação com o testemunho pessoal direto, pessoa a pessoa. Com muita freqüência, os pastores contentam-se em confinar seu testemunho do evangelho ao púlpito. A atitude e a prática de Baxter se revelam com clareza em seu livro O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”).

Richard Baxter e “O Pastor Aprovado”
Os membros da Associação de Worcester, a fraternidade de clérigos que tinha Baxter como espírito propulsor, se comprometeram a adotar o método de catequese paroquial sistemática, conforme o método de Baxter. Eles estabeleceram um dia de jejum e oração, para buscarem a bênção de Deus sobre este empreendimento e pediram a Baxter que pregasse naquele dia. Entretando, quando o dia chegou, Baxter se encontrava muito doente para estar presente; por isso, em 1656, ele publicou o material que havia preparado, uma exposição completa de Atos 20.28. Esse material recebeu o título de O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”). Este livro tornou-se famoso, e tem sido usado em todas as gerações, até ao presente. Por exemplo, a edição da Banner of Truth, com a excelente introdução de J. I. Packer, surgiu em 1974; e edições posteriores foram realizadas em 1979, 1983, 1989, 1994, 1997, 1999 e 2001.
A palavra Aprovado (Reformed), no título, não significa calvinista em doutrina, e sim renovado em suas práticas. Este tratado é uma dinamite espiritual, e foi reconhecido assim desde a sua criação. Um mês depois de sua publicação, um leitor escreveu: “Ó homem grandemente abençoado! O Senhor revelou suas coisas secretas para você, pelas quais muitas almas na Inglaterra se levantarão e bendirão a Deus por você”.
Isto provou estar correto. O livro de Baxter, O Pastor Aprovado, ainda é o melhor manual quanto aos deveres de um pastor. Nada tem excedido o seu poder e sua eficácia. É um imperativo para todo pastor.
Na edição da Banner of Truth, J. I. Packer sugere que o vigor e o poder evocativo do livro atravessam três séculos. Ele descreve três excelentes qualidades de O Pastor Aprovado.
A primeira é o seu vigor. “As palavras do livro têm mãos e pés.” Baxter possuía olhos perscrutadores e, certamente, tinha palavras perscrutadoras. “Seu livro arde com zelo sincero e ardente, com fervor evangelístico e sinceridade para convencer.”
A segunda qualidade é que o livro contém realidade. “É honesto e direto. Freqüentemente se diz, com exatidão, que qualquer cristão que ama o seu próximo e pensa seriamente que, sem Cristo, os homens estão perdidos não será capaz de descansar tranqüilamente com o pensamento de que todos ao seu redor estão indo para o inferno, mas se disporá, irrestritamente, a testemunhar, tendo isso como seu principal objetivo de vida. E qualquer crente que deixa de viver deste modo destrói a credibilidade de sua fé. Pois, se ele mesmo não pode, com seriedade, ter isso como norma de seu viver, quem mais pode ter? Nenhuma outra obra manifesta tanta solidez como O Pastor Aprovado. Nesta obra, encontramos um amor apaixonado e um crente terrivelmente honesto, sincero e correto pensando e falando sobre o perdido, com realismo perfeito, insistindo em que temos de aceitar alegremente qualquer grau de desconforto, pobreza, trabalho excessivo e perda de bens materiais, se almas forem salvas, e apresentando, em sua própria pessoa, um exemplo vívido do que está envolvido nesta obra.”
Terceira, o livro é um modelo de racionalidade. J. I. Packer diz que o livro expressa bom senso. A responsabilidade é ressaltada com clareza. “A graça entra por meio do entendimento.” Baxter insistia em que os ministros têm de pregar a respeito de assuntos eternos como homens que sentem o que falam e se mostram sérios a respeito do assunto de vida e morte eterna. Baxter também sustentava que a disciplina da igreja tem de ser praticada para mostrar que Deus não aceita o pecado.
Em sua exposição de Atos 20. 28, Baxter esclarece a exortação “atendei por vós”. Ele também explica o significado de atender por todas as ovelhas do rebanho. Começa com o não-convertido e os inclui em sua percepção. Ele exorta os pastores à supervisão cuidadosa das famílias e persiste em que temos de ser fiéis em admoestar os transgressores. No que diz respeito ao modo como deve ser administrada esta supervisão, ela tem de ser realizada com franqueza e simplicidade, com humildade e uma mistura de severidade e brandura, com seriedade e zelo, com ternura e amor para com as pessoas, com paciência e reverência, com espiritualidade e desejos sinceros de sucesso, com um profundo senso de nossa própria incapacidade. Finalmente, Baxter nos convoca a labutarmos unidos com outros ministros do evangelho, o que é sobremodo importante em nossos dias, quando divisões são mantidas por razões insignificantes e não-bíblicas.
O zelo de Richard Baxter resplandece em O Pastor Aprovado. As exortações de Baxter retinem com sinceridade porque ele vivia o que pregava. À semelhança de um oficial militar, Baxter leva os seus soldados à batalha. Ele não dá ordens a partir de uma zona de segurança.
A maneira como Baxter se dirigia à pessoas, quer em público, quer em particular, se reflete em Um Apelo ao Não-Convertido (“A Call to the Unconverted”), que vendeu 20.000 exemplares no seu primeiro ano de publicação e foi traduzido para vários idiomas. O versículo de abertura deste livro é Ezequiel 33.11: “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?” A compaixão expressa neste versículo de Ezequiel é muito semelhante ao zelo ardente que o Espírito Santo produziu em Richard Baxter.

quinta-feira, setembro 08, 2011

A Urgência da Pregação

A pregação atravessa tempos difíceis? Hoje está sendo travado um debate sobre o caráter e a centralidade da pregação na igreja. O que está em jogo é a integridade da adoração e da proclamação cristã.
Como isso chegou a acontecer? Levando em conta a centralidade da pregação na igreja do Novo Testamento, parece que a prioridade da pregação bíblica jamais deveria ser contestada. Afinal de contas, como observou John A. Broadus — um dos docentes fundadores do Seminário Batista do Sul dos Estados Unidos —, “a pregação é característica peculiar do cristianismo. Nenhuma outra religião tem realizado reuniões freqüentes e regulares de grupos pessoas para ouvirem instrução e exortações religiosas, uma parte integral do culto cristão”.

No entanto, muitas vozes influentes no evangelicalismo sugerem que a época do sermão expositivo já passou. Em seu lugar, alguns pregadores contemporâneos colocaram mensagens idealizadas intencionalmente para alcançar congregações seculares ou superficiais — mensagens que evitam a exposição do texto bíblico e, por implicação, um confronto potencialmente embaraçoso com a verdade bíblica.

Uma mudança sutil no início do século XX se tornou uma grande divisão no final do século. A mudança de pregação expositiva para abordagens mais temáticas e centradas no homem desenvolveu-se a ponto de se tornar um debate sobre o lugar das Escrituras na pregação e a própria natureza da pregação.

Duas afirmações famosas sobre a pregação ilustram essa divisão crescente. Refletindo, de maneira poética, a urgência e a centralidade da pregação, o pastor puritano Richard Baxter fez esta observação: “Prego como se jamais tivesse de pregar novamente, prego como um moribundo a pessoas moribundas”. Com expressão vívida e um senso de seriedade do evangelho, Baxter entendeu que a pregação é, literalmente, uma questão de vida ou morte. A eternidade pende na balança à medida que o pastor prega.

Contraste essa afirmação de Baxter com as palavras de Harry Emerson Fosdick, talvez o mais famoso (ou mal-afamado) pregador das primeiras décadas do século XX. Fosdick, que era pastor da Riverside Church, em Nova Iorque, provê um contraste instrutivo com o respeitado Baxter. Fosdick explicou: “Pregar é aconselhamento pessoal com base em grupos”.

Essas duas afirmações a respeito da pregação revelam os contorno do debate contemporâneo. Para Baxter, a promessa do céu e os horrores do inferno moldam a desgastante responsabilidade do pregador. Para Fosdick, o pregador é um conselheiro amável que oferece conselhos e encorajamento proveitosos.

O debate atual sobre a pregação é mais comumente explicado como uma argumento a respeito do foco e do formato do sermão. O pregador deve pregar um texto bíblico por meio de um sermão expositivo? Ou deve focalizar o sermão nas “necessidades sentidas” e nos interesses percebidos dos ouvintes?

É claro que muitos evangélicos contemporâneos favorecem a segunda opção. Instados pelos devotos da “pregação baseada nas necessidades”, muitos evangélicos abandonam o texto sem reconhecer que fazem isso. Esses pregadores podem ocasionalmente recorrer ao texto no decorrer do sermão, mas o texto não estabelece os assuntos nem a forma da mensagem.

Focalizar-se nas “necessidades percebidas” e permitir que elas estabeleçam os assuntos da pregação conduz inevitavelmente à perda da autoridade bíblica e do conteúdo bíblico no sermão. Contudo, esse modelo está se tornando, cada vez mais, a norma em muitos púlpitos evangélicos. Fosdick deve estar sorrindo no túmulo.

Os evangélicos antigos reconheceram a abordagem de Fosdick como uma rejeição da pregação bíblica. Um teólogo liberal confesso, Fosdick exibiu sua rejeição da inspiração, inerrância e infalibilidade das Escrituras — e rejeitou outras doutrinas centrais da fé cristã. Apaixonado pelas tendências da teoria psicológica, Fosdick se tornou um terapeuta de púlpito do protestantismo liberal. O alvo de sua pregação foi bem captado pelo título de um de seus muitos livros —
On Being a Real Person (Ser uma Verdadeira Pessoa).

Infelizmente, essa é a abordagem evidente em muitos púlpitos evangélicos. O púlpito sagrado se tornou um centro de aconselhamento, e os bancos da igreja, o sofá do terapeuta. A psicologia e os interesses práticos substituíram a exegese teológica; e o pregador direciona seu sermão às necessidades percebidas da congregação.

O problema é que o pecador não sabe qual é a sua mais urgente necessidade. Ele está cego quanto à sua necessidade de redenção e reconciliação com Deus e se focaliza em necessidades potencialmente reais e temporais, tais como realização pessoal, segurança financeira, paz na família e avanço profissional. Muitos sermões são elaborados para atender a essas necessidades e interesses, mas falham em proclamar a Palavra da Verdade.

Sem dúvida, poucos pregadores que seguem essa tendência intentam se afastar da Bíblia. Todavia, servindo-se de uma intenção aparente de alcançar homens e mulheres modernos e seculares “onde eles estão”, o sermão tem sido transformado em um seminário sobre o sucesso. Alguns versículos das Escrituras talvez sejam acrescentados ao corpo da mensagem; mas, para que um sermão seja genuinamente bíblico, o texto precisa estabelecer os assuntos como fundamento da mensagem — e não ser usado apenas como uma autoridade citada para fornecer esclarecimento espiritual.

Charles Spurgeon confrontou esse mesmo padrão de púlpitos vacilantes, em seus próprios dias. Alguns das mais agradáveis e mais freqüentadas igrejas de Londres tinham ministros que foram precursores dos pregadores modernos que se baseiam nas necessidades sentidas. Spurgeon — que se esforçou por atrair ouvintes, apesar de sua insistência na pregação bíblica — confessou: “O verdadeiro embaixador de Cristo sente que ele mesmo está diante de Deus e tem de lidar com as almas como servo de Deus, em lugar dele, e que ocupa uma posição solene — nesta posição, a infidelidade é desumanidade e traição para com Deus”.

Spurgeon e Baxter entendiam o perigoso mandato do pregador e, por isso, foram impelidos à Bíblia para usá-la como sua única autoridade e mensagem. Deixavam seus púlpitos tremendo, sentindo interesse urgente pela alma de seus ouvintes e totalmente cônscios de que tinham de prestar contas a Deus pela pregação de sua Palavra, tão-somente de sua Palavra. Os sermões deles foram medidos por poder, os de Fosdick, por popularidade.

O debate atual sobre a pregação pode abalar congregações, denominações e o movimento evangélico. Mas reconheça isto: a restauração e renovação da igreja nesta geração virá somente quando, em cada púlpito, o ministro pregar com a certeza de que jamais pregará novamente e como um moribundo que prega a pessoas moribundas.
Dr. Albert Mohler é o presidente do Southern Baptist Theological Seminary, pertencente à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos; é pastor, professor, teólogo, autor e conferencista internacional, reconhecido pela revista Times como um dos principais líderes entre o povo evangélico norte-americano. É casado com Mary e tem dois filhos, Katie e Christopher.

Traduzido por: Wellington Ferreira
Copyright:
© R. Albert Mohler Jr.
Traduzido do original em inglês:The Urgency of Preaching.
www.albertmohler.com
O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.


sábado, setembro 03, 2011

Estratégias Para Lutar contra a Lascívia

Estou pensando em homens e mulheres. Para os homens, isto é óbvio. É urgente a necessidade de lutar contra o bombardeamento de tentações visuais que nos levam a fixar-nos em imagens sexuais. Para as mulheres, isto é menos óbvio, porém tal necessidade se torna maior, se ampliamos o escopo da tentação de alimentar imagens ou fantasias de relacionamentos. Quando uso a palavra “lascívia”, estou me referindo principalmente à esfera dos pensamentos, imaginações e desejos que visualizam as coisas proibidas por Deus e freqüentemente nos levam a conduta sexual errada.
Não estou dizendo que o sexo é mau. Deus o criou e o abençoou. Deus tornou o sexo agradável e definiu um lugar para ele, a fim de proteger sua beleza e poder — ou seja, o casamento entre um homem e uma mulher. Mas o sexo tornou-se corrompido pela queda do homem no pecado. Portanto, temos de exercer restrição e fazer guerra contra aquilo que pode nos destruir. Em seguida, apresentamos algumas estratégias para lutar contra desejos errados.

Evitar — evite, tanto quanto for possível e sensato, imagens e situações que despertam desejos impróprios. Eu disse “tanto quanto possível e sensato”, porque às vezes a exposição à tentação é inevitável. E usei os termos “desejos impróprios” porque nem todos os desejos por sexo, alimento e família são maus. Sabemos quando tais desejos são impróprios, prejudiciais e estão se tornando escravizantes. Conhecemos nossas fraquezas e o que provoca tais desejos. Evitar é uma estratégia bíblica. “Foge, outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça” ( 2 Tm 2.22). “Nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (Rm 13.14).

Não — diga “não” a todo pensamento lascivo, no espaço de cinco segundos. E diga-o com a autoridade de Jesus Cristo. “Em nome de Jesus: Não!” Você não tem mais do que cinco segundos. Se passar mais do que esse tempo sem opor-se a tal pensamento, ele se alojará em sua mente com tanta força, a ponto de se tornar quase irremovível. Se tiver coragem, diga-o em voz alta. Seja resoluto e hostil. Como disse John Owen: “Mate o pecado, se não ele matará você”.1 Ataque-o imediatamente, com severidade. “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós” (Tg 4.7).

Voltar — volte seus pensamentos forçosamente para Cristo, como uma satisfação superior. Dizer “não” será insuficiente. Você tem de mover-se da defesa para o ataque. Combata o fogo com fogo. Ataque as promessas do pecado com as promessas de Cristo. A Bíblia chama a lascívia de “concupiscências do engano” (Ef 4.22). Tais concupiscências mentem. Prometem mais do que podem oferecer. A Bíblia as chama de “paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância” (1 Pe 1.14). Somente os tolos cedem a elas. “Num instante a segue, como o boi que vai ao matadouro” (Pv 7.22). O engano é vencido pela verdade. A ignorância é derrotada pelo conhecimento. E tem de ser uma verdade gloriosa e um conhecimento formoso. Esta é razão por que escrevi o livro Vendo e Provando a Cristo (Seeing and Proving Christ — Crossway, 2001). Preciso de breves retratos de Cristo para me manter despertado, espiritualmente, para a sublime grandeza do Senhor Jesus. Temos de encher nossa mente com as promessas e os deleites de Jesus. E volvermo-nos imediatamente para tais promessas e deleites, depois de havermos dito “não”.

Manter — mantenha, com firmeza, a promessa e o deleite de Cristo em sua mente, até que expulsem a outra imagem. “Olhando firmemente para... Jesus” (Hb 12.2). Muitos fracassam neste ponto. Eles desistem logo. Dizem: “Tentei expulsar a fantasia, mas não deu certo”. Eu lhes pergunto: “Por quanto tempo fizeram isso?” Quanta rigidez exerceram em sua mente? Lembre: a mente é um músculo. Você pode flexioná-la com violência. Tome o reino de Deus por esforço (Mt 11.12). Seja brutal. Mantenha diante de seus olhos a promessa de Cristo. Agarre-a. Agarre-a! Não a deixe ir embora. Continue segurando-a. Por quanto tempo? Quanto for necessário. Lute! Por amor a Cristo, lute até vencer! Se uma porta automática estivesse para esmagar seu filho, você a seguraria com toda a sua força e gritaria por ajuda. E seguraria aquela porta... seguraria... seguraria... Jesus disse que muito mais está em jogo no hábito da lascívia (Mt 5.29).

Apreciar — aprecie uma satisfação superior. Cultive as capacidades de obter prazer em Cristo. Uma das razões porque a lascívia reina em tantas pessoas é porque Cristo não lhes é muito cativante. Falhamos e somos enganados porque temos pouco deleite em Cristo. Não diga: “Esta conversa espiritual não é para mim”. Que passos você tem dado para despertar sua afeição por Cristo. Você tem lutado por encontrar gozo? Não seja fatalista. Você foi criado para valorizar a Cristo — de todo o coração — mais do que valoriza o sexo, o chocolate ou o açúcar. Se você tem pouco desejo por Cristo, os prazeres rivais triunfarão. Peça a Deus que lhe dê a satisfação que você não tem. “Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que cantemos de júbilo e nos alegremos todos os nossos dias” (Sl 90.14). E olhe... olhe... e continue olhando para Aquele que é a pessoa mais magnificente do universo, até que você o veja da maneira como Ele realmente é.

Mover – mova-se da ociosidade e de outros comportamentos vulneráveis para uma atividade útil. A lascívia cresce rapidamente no jardim da ociosidade. Encontre algo útil para realizar, com todas as suas forças. “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12.11); “Sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1 Co 15.58). Seja abundante em atividades. Faça alguma coisa: limpe um quarto, pregue uma tábua, escreva uma carta, conserte uma torneira. E faça tudo por amor a Jesus. Você foi criado para administrar e trabalhar. Cristo morreu para nos tornar zelosos “de boas obras” (Tt 2.14). Substitua as concupiscências e paixões enganosas por boas obras.
Pai de misericórdias, quão freqüentemente
Deixamos de lutar contra a lascívia.
Temos abraçado o inimigo que faz guerra contra a nossa alma.
Perdoa-nos, de acordo com tua promessa de ser
Tardio em ira e abundante em misericórdia.
Vem agora e dá-nos nova determinação
Novo poder e nova visão de tuas
Promessas e de teu supremo valor.
Sacia-nos de manhã com a tua benignidade
Destrói a raiz de nossa lascívia com um prazer superior.
Em nome de Jesus, oramos. Amém.

quinta-feira, setembro 01, 2011

Dez Efeitos de Crer nas Doutrinas da Graça

Estes dez efeitos são um testemunho pessoal a respeito de crer nas Doutrinas da Graça, que podem ser resumidos através dos cinco pontos do calvinismo. Acabei de ministrar um seminário sobre este assunto. Os alunos me pediram que escrevesse um artigo sobre estas reflexões, ao qual eles teriam acesso. Sinto-me feliz por fazer isso. Na verdade, eles conhecem o conteúdo do curso, que está acessível no site do ministério Desiring God. Contudo, escreverei na esperança de que este testemunho estimule outros a examinarem, como os bereianos, se a Bíblia ensina o que chamo de “Calvinismo”.
1. As Doutrinas da Graça enchem-me de temor a Deus e levam-me à verdadeira adoração profunda centrada em Deus.
Recordo a época em que vi, pela primeira vez, enquanto ensinava Efésios no Bethel College, no final dos anos 1970, a afirmação concernente ao alvo de toda a obra de Deus — ou seja:  “Para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.6, 12, 14). Isso me fez perceber que não podemos enriquecer a Deus e que, por essa razão, sua glória resplandece mais esplendidamente não quando tentamos satisfazer as necessidades dEle, e sim quando nos satisfazemos nEle como a essência de nossas obras. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente” (Rm 11.36).  A adoração se torna um fim em si mesmo. Isso me faz sentir quão insignificantes e inadequadas são as minhas afeições, de modo que os salmos de anseios se mostram vívidos e tornam a adoração intensa.
2. Estas verdades protegem-me de vulgarizar as coisas divinas.
Um dos caminhos de nossa cultura é a banalidade, a esperteza, a sagacidade. A televisão é o principal mantenedor de nosso desejo compulsivo por superficialidade e trivialidade. Deus é incluído entre essas coisas. Por isso, existe hoje a vulgarização das coisas espirituais. Seriedade não está em excesso nestes dias. Foi abundante no passado. Sim, há desequilíbrios em certas pessoas que parecem não ser capazes de relaxar e falar sobre o clima. Robertson Nicole disse a respeito de Spurgeon: “O evangelismo agradável [podemos dizer, o crescimento de igreja norteado por marketing] pode atrair multidões, mas lança a alma nas cinzas e destrói as próprias sementes do cristianismo. O Sr. Spurgeon tem sido reputado frequentemente, por aqueles que não conhecem seus sermões, como um pregador que utilizava humor. De fato, não havia nenhum outro pregador cujo tom era mais uniformemente sério, reverente e solene” (Citado em The Supremacy of God in Preaching, p. 57).
3. Estas verdades me fazem admirar a minha própria salvação.
Depois de descrever a grande salvação em Efésios, Paulo orou, na última parte daquele capítulo, para que o efeito daquela teologia fosse a iluminação do coração, a fim de que nos maravilhássemos com a nossa esperança, com as riquezas da glória de nossa herança em Deus e com o poder de Deus que opera em nós — ou seja, o poder que ressuscitou a Jesus dentre os mortos. Todos os motivos de vanglória são removidos. Há muita alegria e gratidão. A piedade de Jonathan Edwards começa a crescer. Quando Deus nos dá um vislumbre da sua majestade e de nossa impiedade, a vida cristã se torna uma coisa bem diferente da piedade convencional. Edwards descreveu isso, de maneira magnífica, quando disse: Os desejos dos santos, embora zelosos, são humildes. Sua esperança é humilde; e sua alegria, ainda que indizível e cheia de glória, é humilde e contrita, deixando o cristão mais pobre de espírito, mais semelhante a uma criança e mais propenso a um comportamento modesto (Religious Affections,New Haven: Yale University Press, 1959, p. 339ss).
4. Estas verdades tornam-me alerta quanto aos substitutos centrados no homem que passam por boas-novas.
Em meu livro The Pleasures of God (2000), nas páginas 144 e 145, mostrei que, na Nova Inglaterra do século XVIII, o afastamento do ensino sobre a soberania de Deus levou ao arminianismo e, deste, ao universalismo e, deste, ao unitarismo. A mesma coisa aconteceu na Inglaterra do século XIX, depois de Spurgeon. O livro Jonathan Edwards: A New Biography (Edinburgh: Banner of Truth, 1987, p. 454), escrito por Iain Murray, documenta a mesma coisa: “As convicções calvinistas empalideceram na América do Norte. No andamento do declínio que Edwards antecipara corretamente, aquelas igrejas congregacionais da Nova Inglaterra que tinham abraçado o arminianismo, depois do Grande Avivamento, moveram-se gradualmente ao unitarismo e ao universalismo, lideradas por Charles Chauncy”. No livro Quest for Godliness (Wheaton, IL: Crossway Books, 1990, p. 160), escrito por J. I. Packer, você pode perceber como Richard Baxter abandonou estes ensinos e como as gerações seguintes tiveram uma colheita horrível na igreja de Baxter, em Kidderminster. Estas doutrinas são uma proteção contra os ensinos centrados no homem que, sob muitas formas, corrompem gradualmente a igreja, tornando-a fraca em seu interior, enquanto parece forte e popular. 1 Timóteo 3.15 — “Para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade”.
5. Estas verdades fazem-me gemer diante da indescritível enfermidade de nossa cultura secular que milita contra Deus.
Não posso ler o jornal, assistir a uma propaganda na TV ou ver um outdoorsem o intenso pesar de que Deus está ausente. Quando Ele, a principal realidade do universo, é tratado como se não existisse, tremo ao pensar na ira que está sendo acumulada. Fico chocado. Tantos cristãos estão sedados pela mesma droga que entorpece o mundo. Mas estes ensinos são um antídoto poderoso. Oro por um despertamento e avivamento. Esforço-me para pregar tendo em vista criar um povo tão impregnado de Deus, que O mostrará e falará sobre Ele onde quer que esteja, em todo o tempo. Existimos para afirmar a realidade de Deus e a sua supremacia em toda a vida.
6. Estas verdades tornam-me confiante de que a obra planejada e começada por Deus chegará ao final — tanto no que diz respeito ao universo como ao indivíduo.
Este é o argumento de Romanos 8.28-39: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”.
7. Estas verdades fazem com que eu veja todas as coisas à luz dos propósitos soberanos de Deus: dEle, por meio dEle e para Ele são todas as coisas; a Ele seja a glória para sempre e sempre.
Todas as coisas da vida se relacionam a Deus. Não há qualquer aspecto de nossa vida em que Ele não seja extremamente importante — Aquele que dá sentido a tudo (cf. 1 Co 10.31). Ver os propósitos soberanos de Deus sendo desenvolvidos nas Escrituras e ouvir o apóstolo Paulo dizendo: Ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11) faz-me perceber o mundo desta maneira.
8. Estas verdades enchem-me da esperança de que Deus tem vontade, direito e poder de responder as súplicas para que pessoas sejam mudadas.
A garantia da oração é que Deus pode irromper e mudar as coisas — incluindo o coração humano. Pode transformar a vontade. “Santificado seja o teu nome” significa faze as pessoas santificarem o teu nome. “Que a tua palavra se propague e seja glorificada” significa faze os corações abrirem-se para o evangelho. Devemos tomar as promessas da nova aliança e rogar a Deus que sejam trazidas à realização em nossos filhos, vizinhos e todos os campos missionários do mundo. “Ó Deus, remove deles o coração de pedra e dá-lhes um coração de carne” (Ez 11.19).  “Senhor, circuncida o coração deles para que Te amem” (Dt 30.6).  “Ó Pai, coloca dentro deles o teu Espírito e faze-os andar nos teus estatutos” (Ez 36.27).  “Senhor, concede-lhes arrependimento e conhecimento da verdade, para que fiquem livres das armadilhas do diabo” (2 Tm 2.25-26). “Pai, abre-lhes o coração para crerem no evangelho” (At 16.14).
9. Estas verdades recordam-me que o evangelismo é absolutamente essencial para que as pessoas venham a Cristo e sejam salvas. Recordam-me também que há esperança de sucesso em levar as pessoas à fé e que, em última análise, a conversão não depende de mim, nem está limitada à insensibilidade do incrédulo.
Portanto, isso nos proporciona esperança na evangelização, especialmente em lugares difíceis e entre pessoas de coração empedernido. “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz” (Jo 10.16).  É a obra de Deus. Dedique-se a ela com resignação.
10. Estas verdades deixam-me convicto de que Deus triunfará no final.
“Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.9-10). Reunindo todas estas verdades: Deus recebe a glória, e nós, o gozo.