sexta-feira, dezembro 14, 2012

O Sofrimento do Crente / Fábio Vaz

A) CONFISSÃO POSITIVA, EVANGELHO DA PROSPERIDADE E O FALSO TRIUNFALISMO

1 - Um falso ensino que permeia a Igreja hoje é aquele que afirma que, se formos fiéis a Deus,  obrigatoriamente seremos abençoados, prósperos e felizes, e nenhum mal nos atingirá. Se sofremos, é porque cometemos algum pecado. É o que ensinava Elifaz (Jó 4.7-9).

Refutação Bíblica: Neste mundo que jaz no Maligno (cf. 1Jo 5.19), justamente nós, crentes, somos os que mais chances temos de sofrer (Jo 16.33; 15.19,20; 2Tm 3.12; 1Pe 2.21). Na verdade, todos sofrem, crentes e descrentes. A questão é: de que modo encaramos o sofrimento? Ou melhor, o que fazemos com o sofrimento? (E não o que o sofrimento faz conosco). Veja 1Pe 4.12-19.

Exemplos de homens de Deus que sofreram muito neste mundo: Jó, José, Jeremias, Daniel, Ezequiel, Paulo (cf. 2Co 6.4,5; 11.23-27). Estava Paulo em pecado? Estavam aqueles homens em pecado?

2 - Muitos ensinam que o crente genuíno jamais terá dificuldades financeiras, por ser "filho de Deus", filho d'Aquele que é o "dono do ouro e da prata". Se alguém tem problemas nessa área, é porque está em pecado. Será?

Na verdade, na Bíblia, na História e na experiência diária, observamos que os ímpios prosperam muito mais do que os justos (cf. Sl 73). Exemplos de homens de Deus que padeceram necessidades financeiras: Elias (1Rs 17.5-7), Amós (Am 7.14), Habacuque (Hc 3.17-19), Paulo (Fp 4.10-13), e até mesmo o Senhor Jesus (Mt 8.20). Aliás, o que Jesus ensinava sobre o amor às riquezas? Veja Mt 6.24; 13.22; Mc 10.23; Lc 18.24...

A atitude de Jesus deve ser a nossa também (2Co 8.9; Fp 2.5). Nem riqueza, nem pobreza, mas o equilíbrio saudável deve ser o nosso alvo na vida (cf. Pv 30.7-9), muito embora Deus, em Sua soberania, é quem realmente decide quem será rico ou pobre, e por quanto tempo. Seja qual for a nossa situação, devemos descansar n'Ele, sabendo que Ele suprirá todas as nossas necessidades em Cristo Jesus (Fp 4.19). Nossa atitude deve ser sempre de gratidão e dependência de Deus, priorizando nossa comunhão com Ele acima de tudo (Mt 6.33; 1Tm 6.7-10,17-19).

B) NEM TRIUNFALISMO, NEM PESSIMISMO - UMA PERSPECTIVA BÍBLICA DO SOFRIMENTO

1 - Existe um triunfalismo barato sendo pregado atualmente, dizendo que sempre seremos "mais que vencedores", nunca experimentaremos derrotas, revezes, fracassos ou aflições nesta vida, se realmente somos filhos de Deus. Essa é uma interpretação bastante equivocada de Rm 8.37, ignorando inteiramente o contexto desse versículo (Rm 8.18-39), no qual o Apóstolo Paulo nos explica que somos mais que vencedores justamente através dos sofrimentos, não escapando deles. O próprio Jesus jamais escondeu de ninguém o significado de ser Seu discípulo: juntamente com as recompensas, virão as tribulações e perseguições (Mc 10.28-31; Lc 9.23; 14.25-33; Jo 16.33).

 2 - Outro ponto de vista, no extremo oposto, é o pessimismo sombrio e sem esperanças, do tipo que encara este mundo apenas como um vale de sombra da morte, e que estamos destinados a sofrer irremediavelmente. Mas veja, novamente, o exemplo do Apóstolo Paulo, que expressava alegria mesmo em situações negativas, porque conhecia o Senhor (Fp 1.18; 2Tm 1.12).

Mais uma vez, o crente é chamado para encarar a vida de um modo equilibrado, baseado na Palavra de Deus. Haverá tempos difíceis e tempos bons (Ec 3.1-8), mas  aqueles que confiam no Senhor sempre terão sua alegria preservada, pois sua felicidade depende de Deus, e não das circunstâncias (Sl 34.19; 125.1).

C) PROPÓSITOS DO SOFRIMENTO

1 - O SOFRIMENTO NOS IDENTIFICA COM CRISTO. Jo 15.20,21; 16.33; At 5.40,41; Rm 8.17; Fp 1.29; 1Ts 2.14; 1Pe 4.13,14. Em todos esses textos, e em muitos outros, vemos que, assim como o Senhor sofreu neste mundo, nós, os que seguimos os Seus passos, também experimentaremos, inevitavelmente e em alguma medida, a oposição e o sofrimento (2Tm 3.12; 1Jo 3.13). Nossa comunhão com Ele no sofrimento é a outra face da nossa comunhão com Ele em Sua glória (Fp 3.10,11).

2 - O SOFRIMENTO FORJA O NOSSO CARÁTER. Este é um corolário do anterior: se, mesmo em meio ao sofrimento, buscarmos a vontade de Deus, seremos semelhantes a Cristo,  e nosso caráter começará a ser transformado pelo Espírito Santo à semelhança do caráter de Cristo (Rm 5.3-5; 2Tm 4.5; Tg 1.2-4; 1Pe 4.12-19).

3 - O SOFRIMENTO AUMENTA A NOSSA FÉ. Andar com Cristo nos dá a oportunidade de conhecê-Lo melhor, e mesmo em meio às lutas, podemos prosseguir "por fé, não por vista" (Rm 8.23-25,28,31-39; Fp 4.4-7; Hb 12.1-3; 1Pe 5.6-10).

4 - O PASSAR POR MOMENTOS DE SOFRIMENTO NOS PERMITE AUXILIAR COM EFICÁCIA OUTROS QUE ESTÃO SOFRENDO. 2Co 1.3-11; 12.7-10; Fp 1.12-18; 1Pe 5.10. O poder de Deus opera através de nossa "fraqueza" humana, quando nos sentimos as pessoas menos capacitadas do mundo e mais necessitadas da graça divina. Deus coloca um tesouro em vasos de barro (2Co 4.7-12), opera poderosamente através daqueles que sofrem confiando no Senhor (2Co 6.8-10; 1Pe 4.19).

5 - O SOFRIMENTO, QUANDO VIER, DEVE SER ENFRENTADO E EXPERIMENTADO PARA A GLÓRIA DE DEUS. Tudo em nossas vidas deve ser feito para a glória de Deus (1Co 6.20; 10.31) e o sofrimento não é exceção (Fp 1.20,21). Fomos criados para o louvor da Sua glória, e isso inclui toda a nossa vida, inclusive durante os períodos de tribulação (Ef 1.11,12). O sofrimento não é desculpa para deixar de servir a Deus e de glorificá-Lo, muito pelo contrário: é uma oportunidade excelente de demonstrar o nosso amor a Deus e a nossa alegria em Cristo, servindo ainda mais, para a glória de Deus (1Pe 4.7-19). A Deus toda a glória!

www.antunesebd.com | Calvinismo Hoje | Original aqui

terça-feira, novembro 20, 2012

Os Puritanos: Sua Origem e Sua História / Alderi Souza de Matos


Introdução
O sentido positivo/negativo original do termo “puritano” e o sentido pejorativo atual (rigidez, moralismo, intolerância).
A imagem distorcida dos puritanos na história. H. L. Mencken: “O puritanismo é o temor persistente de que alguém, em algum lugar, possa ser feliz”.
Ênfase principal: preocupação com a pureza e integridade da igreja, do indivíduo e da sociedade.
Movimento muito influente na Inglaterra; principal tradição religiosa na história dos Estados Unidos.

1. DefiniçõesMovimento em prol da reforma completa da Igreja da Inglaterra que teve início no reinado de Elizabete I (1558) e continuou por mais de um século como uma grande força religiosa na Inglaterra e também nos Estados Unidos. “Uma versão militante da fé reformada” (Dewey D. Wallace, Jr.).
Movimento religioso protestante dos séculos 16 e 17 que buscou “purificar” a Igreja da Inglaterra em linhas mais reformadas. O movimento foi calvinista quanto à teologia e presbiteriano ou congregacional quanto ao governo eclesiástico (Donald K. McKim).
Pessoas preocupadas com a reforma mais plena da Igreja da Inglaterra na época de Elizabete e dos Stuarts em virtude de sua experiência religiosa particular e do seu compromisso com a teologia reformada (I. Breward).

2. Antecedentes (raízes)O puritanismo é uma mentalidade ou atitude religiosa que começou cedo na história da Inglaterra.
Desde o século 14, surgiu uma tradição de profundo apreço pelas Escrituras e questionamento de dogmas e práticas da igreja medieval com base nas mesmas.
Começou com o “pré-reformador” João Wycliffe e os seus seguidores, os lolardos. Publicação da primeira Bíblia Inglesa completa em 1384, na época do “Grande Cisma”.
Wycliffe afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, questionou o papado e a transubstanciação.
O protestantismo inglês sofreu a influência de Lutero e especialmente da teologia reformada continental, a Reforma Suíça de Zurique (Zuínglio, Bullinger) e Genebra (Calvino, Beza).
Começou com o trabalho teológico da primeira geração de reformadores ingleses, influenciados pela Reforma Suíça. Ênfases: colocação da verdade antes da tradição e da autoridade; insistência na liberdade de servir a Deus da maneira que se julgava mais acertada (ver Lloyd-Jones, O puritanismo e suas origens).
William Tyndale (†1536) – compromisso com as Escrituras, ênfase na teologia do pacto. Tradutor da Bíblia - NT (1525); cruelmente perseguido; estrangulado e queimado em Antuérpia, na Bélgica.
John Hooper (†1555) – as Escrituras devem regular a estrutura eclesiástica e o comportamento pessoal.
John Knox (†1572) – reforma completa da igreja e do estado.

3. História(a) Henrique VIII (1509-1547) – criou a Igreja Anglicana, uma igreja nacional inglesa de orientação nitidamente católica. Em 1539, impôs os Seis Artigos, com severas punições para os transgressores (“o açoite sangrento de seis cordas”). Incluíam a transubstanciação, a comunhão em uma só espécie, o celibato clerical, votos de castidade para leigos, missas particulares, confissão auricular, etc.
Duas reações dos protestantes: conformação – por exemplo, o arcebispo Thomas Cranmer a princípio de opôs, mas depois se submeteu e separou-se da esposa; protesto – Miles Coverdale, John Hooper e outros, que tiveram de fugir do país e foram para a Suíça. Sob a influência continental, começaram a se opor ao cerimonialismo religioso.

(b) Eduardo VI (1547-1553) – nessa época, a influência dos partidários de uma reforma profunda da igreja inglesa se tornou mais forte. John Hooper dispôs-se a aceitar um bispado que lhe foi oferecido, mas não a ser investido no ofício do modo prescrito, com o uso das vestes litúrgicas. Acabou sendo lançado na prisão por algum tempo. Foi o primeiro a expor claramente o argumento acerca das vestes. Não eram coisas indiferentes, e sim resquícios do catolicismo. Começa a surgir uma nítida distinção entre anglicanismo e puritanismo.

(c) Maria I (1553-1558) – tentou restaurar a Igreja Católica na Inglaterra e perseguiu os líderes protestantes. Muitos foram executados – Hugh Latimer (†1555), Nicholas Ridley (†1555) e Thomas Cranmer (†1556) – mártires marianos. Outros fugiram para o continente (Genebra, Zurique, Frankfurt), entre eles John Knox e William Whittingham, o principal responsável pela Bíblia de Genebra. Nesse período surgiram em Londres as primeiras igrejas independentes.

(d) Elizabete I (1558-1603) – inicialmente esperançosos, os puritanos se decepcionaram amargamente. A rainha insistiu em controlar a igreja, manteve os bispos e as cerimônias. A mesma divisão anterior se manifestou entre os líderes imbuídos de convicções protestantes – alguns, como Matthew Parker, Richard Cox, Edmund Grindal e John Jewel, protestaram no início, mas acabaram acomodando-se ao status quo. Aceitaram bispados e outras posições eclesiásticas sob o argumento de que, se recusassem esses ofícios, Elizabete nomearia católicos romanos em lugar deles. Outros, como Thomas Sampson, Miles Coverdale, John Foxe e Lawrence Humphrey, desafiaram a rainha.
- Os puritanos surgem com esse nome no contexto da “Controvérsia das Vestimentas” (1563-1567) – protesto contra vestimentas clericais (propunham o uso de togas genebrinas) e cerimônias como ajoelhar-se à Ceia do Senhor, dias santos e sinal da cruz no batismo. Nas décadas seguintes, intensificaram-se as medidas disciplinares da igreja e do estado contra os puritanos estritos (“não-conformistas”). Cristalizou-se o anglicanismo clássico, cujo principal teórico foi Richard Hooker, com sua obra Leis de Política Eclesiástica (1593). Em 1593 foi aprovado o rigoroso “Ato contra os Puritanos”.

(e) Tiago I (1603-1625) – esse rei havia recebido uma educação calvinista na Escócia, o que encheu de esperanças os puritanos. Eles lhe apresentaram a Petição Milenária, que foi totalmente rejeitada na Conferência de Hampton Court (1604). Alguns puritanos se desligaram inteiramente da Igreja da Inglaterra, entre eles um grupo que foi para a Holanda e depois para a América, fundando em 1620 a Colônia de Plymouth, em Massachusetts.

(f) Carlos I (1625-1649) – esse rei manteve a política de repressão contra os puritanos, o que levou um grupo não-separatista a ir para Massachusetts em 1630. No final do seu reinado, entrou em guerra contra os presbiterianos escoceses e contra os puritanos ingleses. Estes eram maioria no Parlamento e convocaram a Assembléia de Westminster (1643-49), que elaborou os famosos e influentes documentos da fé reformada.
Infelizmente, os puritanos não formavam um movimento coeso. Estavam divididos principalmente no que se refere à forma de governo da igreja. Existiam vários grupos: presbiterianos, congregacionais, episcopais, batistas. Alguns eram separatistas e outros não-separatistas, como os “independentes” (congregacionais moderados). A Guerra Civil terminou com a derrota e execução do rei.

(g) Oliver Cromwell – congregacional, líder das forças parlamentares que derrotaram o rei Carlos I. Tornou-se o “Lorde Protetor” da Inglaterra. Durante o Protetorado ou Comunidade Puritana (1649-1658), a Igreja da Inglaterra foi inicialmente presbiteriana e depois congregacional. Todavia, as rivalidades religiosas levaram ao restabelecimento da monarquia – a Restauração.

(h) Carlos II (1660-1685) - expulsou cerca de 2000 ministros puritanos da Igreja da Inglaterra. A Grande Expulsão (1662) marcou o fim do puritanismo anglicano. Embora perseguidos, sobreviveram como dissidentes (“dissenters”) fora da igreja estatal e eventualmente criaram igrejas batistas, congregacionais e presbiterianas.

(i) Tiago II (1685-1689) – tentou restaurar o catolicismo, mas foi derrotado pelo holandês Guilherme de Orange, esposo de sua filha Maria – a Revolução Gloriosa.

(j) Guilherme e Maria (1689-1702) – mediante um decreto, foi concedida tolerância aos “dissenters” (presbiterianos, congregacionais e batistas), cerca de um décimo da população. A essa altura, os melhores dias do puritanismo já haviam ficado para trás.
O puritanismo americano foi muito dinâmico e influente por pouco mais de um século, desde os primórdios na Nova Inglaterra (1620) até o Grande Despertamento (1740).
Alguns nomes notáveis dessa tradição foram John Cotton, William Bradford, John Winthrop, John Eliot, Thomas Hooker, Cotton Mather e Jonathan Edwards.Herdeiros recentes da tradição puritana: Charles H. Spurgeon, D. M. Lloyd-Jones, J. I. Packer, James M. Boice e outros.

4. O Perfil Puritano

4.1. Terminologia
Não-conformistas: esse termo surgiu na história inglesa quando puritanos e separatistas não quiseram aderir à Igreja da Inglaterra (oficial) desde 1660 até o Ato de Tolerância (1689). Não-conformidade é a atitude de não se submeter a uma igreja oficial.
Separatistas: termo aplicado ao puritano inglês Robert Browne (c.1550-1633) e seus seguidores, que se separaram da Igreja da Inglaterra. Mais tarde foi aplicado aos congregacionais ingleses e outros grupos que formaram suas próprias igrejas.
Não-separatistas: os puritanos anglicanos, aqueles que não queriam separar-se da igreja oficial, mas procuravam reformá-la. Os fundadores de Salem e Boston (1629-1630) estavam nessa categoria.
Independentes: nos séculos 17 e 18, os adeptos da forma de governo congregacional, em contraste com o governo episcopal da igreja estatal inglesa.
Dissidentes (“dissenters”): aqueles que se retiraram da igreja nacional da Inglaterra (anglicana) por motivos de consciência. O termo inclui congregacionais, presbiterianos e batistas.

4.2. Características gerais
Os “não-conformistas”, como também eram chamados, em geral eram ministros com educação universitária, oriundos principalmente de Cambridge, embora também houvesse leigos ardorosos entre eles.
Entendiam que a Igreja Inglesa devia adotar como modelo as igrejas reformadas do continente.
O puritanismo influenciou a tradição reformada no culto, governo eclesiástico, teologia, ética e espiritualidade. Quatro convicções básicas: (1) a salvação pessoal vem inteiramente de Deus; (2) a Bíblia constitui o guia indispensável para a vida; (3) a igreja deve refletir o ensino expresso das Escrituras; (4) a sociedade é um todo unificado.
O sentido original do termo “puritano” apontava para a purificação da igreja, na medida que os puritanos queriam descartar os elementos arquitetônicos, litúrgicos e cerimoniais que consideravam conflitantes com a simplicidade bíblica. Por exemplo, eles objetavam contra o sinal da cruz no batismo e a genuflexão para receber a Santa Ceia.
Ao invés de paramentos elaborados (sobrepeliz), eles preferiam uma toga preta que simbolizava o caráter do ministro como um expositor culto da Bíblia.
Queriam que cada paróquia tivesse um ministro residente capaz de pregar. Para alcançar esse objetivo, promoviam reuniões de ministros para ouvir sermões e receber orientação pastoral (suprimidas por Elizabete).
Sofrendo oposição dos bispos e estando comprometidos com uma eclesiologia que dava ênfase à igreja como uma comunidade pactuada, muitos puritanos rejeitaram o episcopado.
Thomas Cartwright promoveu o presbiterianismo (1570). Robert Browne, mais radical, advogou um sistema congregacional e defendeu a imediata separação da “corrupta” Igreja da Inglaterra (1582). Alguns de seus seguidores “separatistas” foram para a Holanda.
Congregacionais mais moderados, conhecidos como “independentes”, não chegaram a defender a separação. Eles influenciaram os puritanos da Baía de Massachusetts e se tornaram a corrente principal do congregacionalismo inglês.
Outros puritanos, como Richard Baxter (†1691), queriam um “episcopado atenuado” que associava características presbiterianas e episcopais.
Os puritanos não estavam interessados somente na purificação do culto e do governo eclesiástico. Todo o corpo político também precisava de purificação. Apoiando-se em Martin Bucer e João Calvino, eles insistiram na criação de uma sociedade cristã disciplinada. Achavam que uma nação inteira podia fazer uma aliança com Deus para a realização desse ideal. Esperanças milenaristas e o exemplo do Israel bíblico os impeliram nessa direção.

4.3. Experiência religiosaA Bíblia, interpretada no espírito dos teólogos reformados continentais, era considerada a única fonte legítima para a doutrina, liturgia, governo eclesiástico e espiritualidade pessoal. Incentivavam a leitura doméstica da Bíblia de Genebra (1560), uma edição comentada. Além da pregação expositiva regular aos domingos, havia a instrução dos membros em seus lares durante a semana. Deram grande ênfase à preparação de ministros pregadores (ex: Emmanuel College, em Cambridge).
Os pregadores-teólogos puritanos escreveram com detalhes sobre a maneira pela qual a graça de Deus poderia ser identificada na experiência humana, indo além de religiosidade formal e expressando-se numa transformação interior da morte no pecado para a vida em Cristo, com base na fé. Os diários e autobiografias dos puritanos revelam quão intensa essa luta podia ser e como se tornaram pessoais os grandes temas da teologia reformada.
· Sem negligenciar a obra e o ser de Deus ou os grandes temas da eleição, vocação, justificação, adoção, santificação e glorificação, a ênfase dos teólogos puritanos na experiência religiosa e na piedade prática deu aos seus escritos um teor incomum entre os teólogos reformados de outras partes da Europa. Um bom exemplo disso éO Peregrino (1676), de John Bunyan.
A ênfase prática da teologia puritana levou-a a dar grande atenção à ética pessoal e social em casos de consciência, discussões sobre vocação e o relacionamento entre a família, a igreja e a comunidade no propósito redentor de Deus.
A reforma do culto e da prática religiosa popular, ouvindo e obedecendo a palavra de Deus, bem como a santificação do tempo convergiram no desenvolvimento do sabatarianismo, um dos legados mais duradouros da teologia puritana aplicada.

4.4. TeologiaSegundo William Ames, a teologia “é para nós a suprema e a mais nobre das disciplinas exatas. É um guia e plano-mestre para o nosso fim mais elevado, enviado por Deus de maneira especial, tratando das coisas divinas... Não existe preceito de verdade universal relevante para se viver bem em economia doméstica, moralidade, vida política e legislação que não pertença legitimamente à teologia” (A medula da teologia, 1623).
Os puritanos eram estritos defensores da teologia reformada, que inicialmente tinham em comum com a Igreja da Inglaterra (os Trinta e Nove Artigos ensinavam a doutrina reformada da Ceia do Senhor e afirmavam a predestinação). Depois que muitos anglicanos adotaram uma posição mais arminiana (1620s), os puritanos defenderam vigorosamente o calvinismo devido à sua afirmação intransigente da graça imerecida de Deus.
Alguns puritanos, como William Perkins, William Ames e John Owen, deram importante contribuição para o desenvolvimento da ortodoxia reformada.
Uma contribuição puritana mais específica foi a articulação do aspecto prático e afetivo da religiosidade. Richard Rogers, John Dod e Richard Sibbes foram fontes de um movimento devocional puritano que floresceu especialmente após a Restauração (1660) com grandes autores como Richard Baxter, Joseph Alleine e John Flavel.
Os puritanos escreveram uma enorme literatura sobre a vida espiritual, incluindo sermões, meditações, exposições bíblicas práticas, aforismos de orientação espiritual, biografias e autobiografias.
Essa literatura dava ênfase a temas como a experiência pessoal de conversão, a regeneração pelo Espírito Santo, a união mística da alma com Cristo, a busca de certeza da salvação e o crescimento em santidade de vida.
A maior expressão dessa “teologia afetiva” foi a alegoria de John Bunyan (†1688), O Peregrino, que retratou a vida cristã como peregrinação e luta espiritual.
A maioria dos puritanos estavam firmemente comprometidos com uma igreja nacional, dando forte ênfase à pureza do culto e do governo bíblicos como parte de uma reforma contínua. Uma pequena minoria não via esperança de reforma sem separação da igreja oficial e a criação de uma igreja de santos em relação pactual.
“A fidelidade da teologia puritana à revelação bíblica, sua abrangência, sua integração com outros tipos de conhecimento, sua profundidade pastoral e espiritual, seu êxito em criar uma tradição duradoura de culto, pregação e espiritualidade fazem dela uma tradição de permanente importância no cristianismo de língua inglesa e na tradição reformada mais ampla” (I. Breward).

4.5. Contribuições dos puritanos
Ver Leland Ryken, Santos no Mundo:
- Vida teocêntrica - Toda a vida pertence a Deus 
- Vendo Deus nos lugares comuns 
- A importância da vida 
- Vivendo num espírito de expectativa 
- O impulso prático do puritanismo 
- A vida cristã equilibrada 
- A simplicidade que dignifica

4.6. Puritanos notáveis

William Perkins 
(1558-1602) – sua teologia foi o primeiro grande exemplo de uma síntese da teologia reformada aplicada à transformação da sociedade, igreja e indivíduos da Inglaterra elizabetana. Em sua obra mais famosa, Armilla Aurea (A corrente de ouro – 1590), ele expôs a tradição reformada em torno do tema da teologia como “a arte de viver bem”. Deu ênfase à majestade da ordem de Deus e sua implicações sociais e pessoais. Foi o primeiro teólogo elizabetano com uma reputação internacional. Também destacou-se extraordinariamente como pregador.

William Ames (1576-1633) – discípulo mais destacado de Perkins e prolífico escritor. Sua críticas contra a Igreja da Inglaterra causaram o seu exílio na Holanda (onde foi professor) e a proibição dos seus livros na Inglaterra. Suas obras mais famosas são:A Medula da Teologia (1623) e Casos de Consciência (1630). Morreu poucos antes de uma planejada mudança para Massachusetts, onde sua influência, bem como na Holanda, persistiu até o século 18. Sua teologia prática acentuou como cada aspecto da vida devia ser dedicado à glória de Deus.

Richard Sibbes (1577-1635) – foi estudante e professor em Cambridge. Exemplificou a síntese entre profundidade bíblica e sensibilidade pastoral que caracterizou a teologia puritana no que tinha de melhor. Seus escritos são práticos antes que sistemáticos e mostram claramente porque as ênfases puritanas foram assimiladas tão plenamente pelos leigos. Escritos seus como A Porção do Cristão e A Exaltação de Cristo Comprada por sua Humilhação revelam não só uma rica soteriologia, mas profundas percepções sobre a criação e a encarnação.

Thomas Goodwin (1600-1680) – foi influenciado por Sibbes e outros. Estava destinado a uma promissora carreira eclesiástica, mas abriu mão da mesma ao ser convencido por John Cotton (1584-1652) da legitimidade da independência. Depois de algum tempo na Holanda, desempenhou um papel importante na Assembléia de Westminster. Teve atuação destacada no regime de Cromwell e foi presidente do Magdalen College, em Oxford. Buscou unir independentes e presbiterianos em Cristo, o Pacificador Universal (1651). Seu profundo encontro pessoal com Cristo permeou todos os seus escritos.

Richard Baxter (1615-1691) – foi ordenado em 1638 e dois anos depois rejeitou o episcopalismo. De 1641 a 1660 foi ministro de uma paróquia em Kidderminster. Após a guerra civil, apoiou a Restauração e tornou-se capelão de Carlos II. Excluído da Igreja da Inglaterra após o Ato de Uniformidade (1662), continuou a pregar e foi encarcerado em 1685 e 1686. Tomou parte na deposição de Tiago II e deu as boas-vindas ao Ato de Tolerância de Guilherme e Maria. Suas obras incluem O Repouso Eterno dos Santos (1650) e O Pastor Reformado (1656).

John Owen (1616-1683) – ao lado de Baxter, o grande pensador sistemático da tradição teológica puritana. Educado em Oxford, enfrentou uma longa luta espiritual em busca da certeza de salvação, que terminou por volta de 1642. Dedicou seus formidáveis dotes intelectuais à causa parlamentar. Inicialmente presbiteriano, converteu-se à posição independente através da leitura de John Cotton. Fez uma vigorosa exposição do calvinismo clássico em Uma Exibição do Arminianismo (1643). Em A Morte da Morte na Morte de Cristo (1647) fez uma brilhante apresentação da doutrina da expiação limitada. Até o fim da vida trabalhou por uma igreja nacional mais abrangente e pela reconciliação dos dissidentes rivais.

John Bunyan (1628-1688) – após lutar na guerra civil, em 1653 filiou-se a uma igreja independente em Bedford. Um ou dois anos depois, começou a pregar com boa aceitação. Foi aprisionado de modo intermitente entre 1660 e 1672, o que lhe permitiu escrever sua obra-prima, O Progresso do Peregrino (1678), e outros escritos. Após 1672, dedicou-se à pregação e ao evangelismo em sua região. Outras obras famosas de sua lavra são A Guerra Santa (1682) e Graça Abundante para o Principal dos Pecadores (1666).
www.antunesebd.com | Mackenzie | Original aqui   


terça-feira, outubro 23, 2012

A grandeza de João Calvino / Burk Parsons

No serviço diário de pastorear o rebanho de Cristo, sempre recorro aos meus antepassados espirituais em busca de respostas para questões mais difíceis sobre a vida e a doutrina da igreja. Embora eles já estejam no lar, com o Senhor, por meio da fé mútua eles nos proveram palavras de conforto, encorajamento e advertência. À medida que penso nas dificuldades doutrinárias, eclesiásticas e pessoais que enfrentam e considero a obra sustentadora do Senhor na vida deles, vejo-me humilhado e desafiado por suas vozes uníssonas, que parecem nos admoestar, do céu, instando-nos a combater o bom combate, sermos fiéis até ao fim e, acima de tudo, honrarmos o Senhor.
Entre muitas vozes fiéis do passado, parece haver uma que se destaca das demais. É a voz do homem que desejava fervorosamente ouvir não somente sua própria voz, e sim a voz de Deus, em sua Palavra. É precisamente por causa da humildade que o Senhor infundiu no espírito de Calvino que admiro esse homem. De fato, não se passa uma semana sem que eu pense no exemplo que Calvino deixou para nós e para os cristãos em cada geração. Na vida e no ministério, enquanto reflito sobre o homem Calvino, percebo estas três coisas: ele foi um homem que morreu para si mesmo e buscou tomar a sua cruz diariamente, para que servisse o Senhor e o rebanho que Deus lhe confiara (Lc 9.23). Ele era um homem que não pensou acerca de si mesmo mais do que convinha e procurou considerar os outros melhores do que ele mesmo (Rm 12.23; Fp 2.3). Foi um homem que não procurou agradar, primordialmente, aos homens; antes, buscou agradar a Deus em tudo (Cl 1.10; 3.23). Calvino foi um homem que se esforçou por não viver para seu próprio reino, mas para o reino de Deus (Mt 6.33; 21.43). Ele era um homem que procurou ser fiel aos olhos de Deus, e não um bem-sucedido aos olhos do mundo (Ap 2.10). Ele era um homem que não desejava sua própria glória; antes, desejava a glória de Deus em tudo que fazia (1Co 10.31; Cl 3.17). Ele foi um homem que não tentou desenvolver um sistema de teologia que complementaria a Palavra de Deus; antes diligenciou por extrair sua teologia da Palavra de Deus visando à adoração correta, o contentamento e o amor de Deus.

Levando tudo isso em conta, Calvino está entre os maiores homens de todos os tempos. No entanto, sua grandeza, como reconheceu B. B. Warfield, não consistiu do que ele fez para si mesmo, e sim da sua dedicação a Deus – “Nisto vemos o segredo da grandeza de Calvino e a fonte de seu vigor. Nenhum outro homem tinha um senso mais profundo de Deus; nenhum outro homem se rendeu mais irrestritamente à orientação divina do que Calvino”. Esta foi a grandeza de Calvino – sua completa rendição a Deus. Este é o legado de Calvino àqueles de nós desejamos não somente usar o distintivo dos cinco pontos do calvinismo, mas também vestir-nos do humilhante poder do evangelho (1Pe 5.5). Não fiquemos satisfeito com insígnia de um calvinismo simplista; antes, vistamo-nos com o calvinismo de Calvino – um calvinismo que glorifica a Deus, é centrado em Cristo, capacitado pelo Espírito e norteado pelo evangelho; um calvinismo que brilha com tanto esplendor, que as trevas enganosas do pecado são vencidas em nosso coração, a fim de que resplandeçamos como a luz de Jesus Cristo neste mundo sombrio – para o seu reino e a sua glória.
Este trecho é uma adaptação da contribuição de Burk Parsons em John Calvin a Heart for Devotion, Doctrine & Doxology, traduzido em português pela editora Fiel.  

www.antunesebd.com | Ligonier | Original aqui      

sexta-feira, outubro 19, 2012

João Calvino: 4 regras da oração / Joel Beeke

João Calvino: 4 regras da oração, por Joel Beeke
Para Calvino, a oração não podia ser realizada sem disciplina. Ele escreveu: “Se não fixamos certas horas do dia para a oração, ela escapará “. Ele prescreveu varias regras para orientar os crentes a oferecerem oração fervorosa e eficaz.

1. A primeira regra é um senso sincero de reverência.
Na oração, precisamos estar “dispostos de coração e mente, como convém àqueles que entram em conversa com Deus”. Nossas orações devem brotar do “fundo de nosso coração”. Calvino recomendava uma mente e um coração disciplinados, afirmando: “As únicas pessoas que se preparam devida e apropriadamente para orar são aquelas que são movidas de tal maneira pela majestade que, livres dos cuidados e afeições terrenos, se aproximam da oração”.

2. Segunda regra é um senso sincero de necessidade e arrependimento.
Temos de “orar com um senso sincero de carência e arrependimento”, mantendo “a disposição de um pedinte”. Calvino não estava dizendo que os crentes devem orar em favor de cada capricho que surge em seu coração, e sim que devem penitentemente, de acordo com a vontade de Deus, tendo em foco sua glória e anelando resposta, “com afeição sincera, e, ao mesmo tempo, desejando obtê-la de Deus”.

3. Terceira regra é um senso sincero de humildade e confiança em Deus.
A verdadeira oração exige que “abandonemos toda confiança em nós mesmos e supliquemos humildemente o perdão”, confiando somente na misericórdia de Deus para recebemos bênçãos espirituais e temporais, lembrando sempre que a menor gota de fé é mais poderosa do que a incredulidade.  Qualquer outra maneira de nos aproximarmos de Deus promoverá o orgulho, que será letal. “Se reivindicarmos algo para nós mesmo, por mínimo que seja”, estaremos em perigo de destruir a nós mesmo na presença de Deus.

4. A regra final é ter um senso sincero de esperança confiante.
A confiança de que nossas orações serão respondidas não surge de nós mesmos, mas do Espírito Santo agindo em nós. Na vida dos crentes, a fé e a esperança vencem o temor, para que sejamos capazes de pedir “com fé, em nada duvidando” (Tg 1.6). Isso significa que a verdadeira oração é confiante na resposta, por causa de Cristo e do pacto, “pois o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo sela o pacto que Deus estabeleceu conosco”. Assim, os crentes se aproximam de Deus com ousadia e entusiasmo porque essa “confiança é necessária à verdadeira invocação... que se trona a chave que abre a porta do reino dos céus”.

Opressivas? Inatingíveis?
Essas regras talvez pareçam opressivas – até inatingíveis – em face de um Deus santo e onisciente. Calvino reconheceu que nossas orações estão repletas de fraqueza de imperfeição. Ele escreveu: “Ninguém jamais cumpriu esse dever com a retidão que lhe era devida”. Mas Deus tolera “até o nosso gaguejo e perdoa a nossa ignorância”, permitido que ganhemos familiaridade com Ele, em oração, embora esta seja pronunciada de “forma balbuciante”. Em resumo, nunca nos sentiremos como pedintes dignos. Nossa inconsistente vida de oração é freqüentemente atacada por dúvidas, mas essas lutas mostram nossa necessidade contínua da oração como uma “elevação do espírito” e nos impele sempre a Jesus Cristo, que “transformará o trono da glória terrível em trono da graça”. Calvino concluiu que “Cristo é o único caminho e o único acesso pelo qual temos permissão de ir a Deus”.  
Este trecho é uma adaptação da contribuição Joel Beeke em John Calvin a Heart for Devotion, Doctrine & Doxology, traduzido em português pela editora Fiel.

 www.antunesebd.com | Ligonier | Original aqui

quarta-feira, outubro 17, 2012

A Reforma Protestante: perguntas e respostas / Alderi Souza de Matos

1. Qual a importância da Reforma?
A Reforma Protestante foi importante para o cristianismo porque chamou a atenção para verdades (doutrinas) e práticas bíblicas que haviam sido esquecidas ou distorcidas pela Igreja Medieval. Não foi um movimento inovador, mas restaurador das convicções e ênfases do cristianismo original. Algumas de suas principais contribuições foram: retorno às Escrituras; a centralidade de Cristo; a salvação vista como dádiva da graça de Deus, a ser recebida por meio da fé; a Igreja não é a instituição ou a hierarquia, mas o povo de Deus – cada cristão é um sacerdote.

2. A Reforma foi um movimento exclusivamente religioso?
Embora tenha sido um movimento predominantemente religioso, a Reforma teve importantes ligações com as realidades econômicas, políticas e sociais do século 16. Na área econômica, contribuíram para a Reforma fenômenos como o fim do feudalismo, o desenvolvimento do capitalismo e a crescente urbanização. Ao contrário da mentalidade católica medieval, os protestantes tinham uma visão positiva do trabalho, do lucro e das ocupações “seculares”. Suas concepções acerca da pobreza também eram diferentes. Por outro lado, a Reforma foi um protesto contra a opulência da Igreja Majoritária e suas contínuas interferências na economia das nações européias (através de inúmeros impostos eclesiásticos e outros meios).

3. Qual a posição de Lutero quanto ao livre arbítrio?
Lutero negou o livre arbítrio no que diz respeito à salvação – o ser humano, escravizado pelo pecado, não pode por si mesmo buscar a Deus. Todavia, o livre arbítrio permanece intacto em relação a outras questões, como as decisões comuns e as responsabilidades da vida cotidiana.

4. Por que existem tantas igrejas protestantes?
Lutero defendeu firmemente a sacerdócio universal dos fiéis, mas essa não é a principal razão da existência de muitas igrejas evangélicas. A razão maior está no princípio do “livre exame”, ou seja, o direito de todo cristão de estudar por si mesmo as Escrituras, não ficando preso à autoridade da Igreja ou a uma interpretação “oficial” da Bíblia.

5. Há necessidade de uma nova Reforma?
Existem muitas igrejas ditas “protestantes” ou “evangélicas” que, por terem se afastado dos princípios básicos propostos pelos reformadores, realmente necessitam de uma nova Reforma.

6. Como a Reforma contribuiu para o pensamento moderno?
A Reforma contribuiu para o pensamento moderno de muitas maneiras. Seu questionamento do autoritarismo religioso medieval, sua ênfase à participação responsável dos fiéis na vida e na direção das igrejas, seu estilo participativo de liderança, sua valorização do trabalho e de toda e qualquer ocupação honesta contribuíram para o fortalecimento de noções como liberdade, democracia e solidariedade social. Os diferentes reformadores e seus seguidores deram importantes contribuições nas áreas da teologia, filosofia, política, sociologia e ética.

7. Que dizer da imagem negativa de Lutero?
Felizmente, essa imagem negativa de Lutero está em declínio. Atualmente, mesmo historiadores católicos têm tido uma visão mais construtiva e equilibrada do pensamento e da obra do reformador.

8. É correta a interpretação de Marx e Engels de que a Reforma foi motivada por fatores sociais e econômicos?
Essa visão de Marx e Engels é parcial e inadequada. Lutero foi movido acima de tudo por sua intensa experiência religiosa. Ele havia se tornado um monge por preocupar-se com a sua salvação; porém, a sua vida monástica só fez aumentar a sua insegurança espiritual. Foi então que descobriu nas epístolas paulinas o ensino acerca da justificação pela fé. Essa experiência libertadora, que trouxe paz ao seu coração, e as convicções dela resultantes, foram o fundamento da sua obra como reformador.

9. Lutero era aliado das elites?
Lutero era inteiramente popular, como demonstram fartamente os seus escritos. Ele era um homem do povo, falava a linguagem do povo, por vezes bastante áspera, e só ocasionalmente envolveu-se com os nobres, por força das circunstâncias políticas da época.

10. É verdade que o reformador Lutero gostava de uma boa cerveja?
Lutero realmente gostava de comer e beber, por entender que essas eram dádivas de Deus aos seus filhos.

11. Por que a Reforma teve diferentes manifestações?
A Reforma teve características distintas em outras partes da Europa por vários motivos: as personalidades e ênfases dos outros reformadores, as peculiaridades culturais das outras nações e as realidades políticas dessas nações. Por exemplo, na Inglaterra a Reforma só implantou-se graças à interferência decisiva de vários monarcas, como Henrique VIII, Eduardo VI e, em especial, Elizabete I. Querendo agradar os seus súditos protestantes e católicos, ela criou o anglicanismo, uma síntese de elementos dessas duas tradições religiosas.

www.antunesebd.com | Mackenzie | Original aqui

terça-feira, outubro 09, 2012

Cronologia de Martinho Lutero / Alderi Souza de Matos

1483 – Nasce em Eisleben, na Alemanha oriental.
1484 – Seus pais, Hans e Margaretha Luder, mudam-se para Mansfeld, onde Hans trabalha em minas de cobre.
1492 – Lutero estuda em Mansfeld.
1497 – Estuda em Magdeburgo e no ano seguinte em Eisenach.
1501 – Ingressa na Universidade de Erfurt e no ano seguinte recebe o grau de bacharel.
1505 – Conclui o mestrado em Erfurt e começa a estudar direito. Em 02-07, durante uma tempestade, jura tornar-se monge; ingressa na Ordem dos Eremitas Agostinianos, em Erfurt.
1507 – É ordenado e celebra a primeira missa. No ano seguinte, leciona filosofia moral em Wittenberg.
1510 – Visita Roma e no ano seguinte é transferido para a casa agostiniana de Wittenberg.
1512 – Torna-se doutor em teologia e no ano seguinte começa a lecionar sobre os Salmos na Universidade de Wittenberg.
1515 – Leciona sobre Romanos e é nomeado vigário distrital sobre dez mosteiros; no ano seguinte, começa a lecionar sobre Gálatas.
1517 – Começa a lecionar sobre Hebreus; em 31 de outubro, afixa as Noventa e Cinco Teses sobre as indulgências. Contexto: eleição do sacro imperador e venda de indulgências.
1518 – Defende a sua teologia em uma reunião dos agostinianos em Heidelberg. Em outubro, comparece diante do cardeal Cajetano em Augsburgo, mas recusa retratar-se; em dezembro, Frederico, o Sábio, impede que Lutero seja levado a Roma.
1519 – Entende a “justiça de Deus” como uma “justiça passiva com a qual Deus nos justifica pela fé.” Em julho, tem um debate com o professor dominicano João Eck em Leipzig; defende João Hus e nega a autoridade suprema de papas e concílios. Carlos V é eleito sacro imperador.
1520 – A bula papal Exsurge Domine dá-lhe 60 dias para retratar-se ou ser excomungado. Queima a bula papal e um exemplar da lei canônica. Escreve três documentos fundamentais: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. A Reforma alastra-se na Alemanha e na Europa.
1521 – É excomungado pela bula Decet Romanum Pontificem, de Leão X. Em abril, naDieta de Worms, recusa renegar os seus escritos e no mês seguinte um edito o condena como herético e proscrito. É seqüestrado e ocultado no Castelo de Wartburg, onde começa a traduzir o Novo Testamento. Protegido pelo príncipe eleito.
1522 – Em março, deixa o seu esconderijo e retorna a Wittenberg. No ano seguinte, escreve Sobre a Autoridade Temporal. É publicado o Novo Testamento em alemão.
1524 – Tem um debate com Andreas Bodenstein Karlstadt sobre a Ceia do Senhor. Explode a Revolta dos Camponeses.
1525 – Escreve Contra os Profetas Celestiais; escreve Contra as Hordas, criticando a Revolta dos Camponeses. Casa-se com Catarina von Bora. Escreve O Cativeiro da Vontade, contra Erasmo. Morte de Frederico, o Sábio.
1526 – Escreve a Missa Alemã; nasce o seu filho Hans. Na Dieta de Spira, os príncipes recusam-se a aplicar o Edito de Worms. No ano seguinte, luta contra enfermidades e intensa depressão; escreve “Castelo Forte”. Nasce a sua filha Elizabete. Escreve contra as idéias de Zuínglio acerca da Ceia do Senhor.
1528 – Escreve a Grande Confissão Acerca da Ceia de Cristo; chora a morte de Elizabete; visita igrejas.
1529 – Dieta de Spira: intolerância contra os luteranos. Surge o nome “protestantes.” Lutero comparece com Zuínglio ao Colóquio de Marburg, mas não alcançam acordo sobre a Ceia do Senhor. Publica o Grande Catecismo e o Pequeno Catecismo. Nasce sua filha Madalena.
1530 – Morre seu pai. Lutero, sendo um proscrito, não pode comparecer à Dieta de Augsburgo, realizada na tentativa de pôr fim à divisão religiosa do império. Filipe Melanchton apresenta a Confissão de Augsburgo, uma declaração das convicções luteranas.
1531 – Começa a lecionar sobre Gálatas. Nasce o seu filho Martin e morre a sua mãe, Margaretha.
1532 – Escreve Sobre os Pregadores Infiltradores e Clandestinos. Recebe o mosteiro agostiniano de Wittenberg como sua residência.
1533 – Nasce o seu filho Paulo. No ano seguinte, publica a Bíblia Alemã completa e nasce sua filha Margarete.
1536 – Aceita a Concórdia de Wittenberg sobre a Ceia do Senhor, na tentativa de sanar as diferenças com outros reformadores, mas os zuinglianos a rejeitam.
1537 – Redige os Artigos de Schmalkald como seu “testamento teológico.” No ano seguinte, escreve contra os judeus em Contra os Sabatarianos.
1539 – Escreve Sobre os Concílios e a Igreja. Em 1541, escreve Exortação à Oração contra os Turcos.
1542 – Redige o seu testamento; morre sua filha Madalena. No ano seguinte, escreve Sobre os Judeus e suas Mentiras.
1544 – Escreve contra a interpretação de Caspar Schwenckfeld sobre a Santa Ceia.
1545 – Escreve Contra o Papado de Roma, uma Instituição do Diabo. Morre o arcebispo Alberto de Mogúncia e tem início o Concílio de Trento.
1546 – Lutero morre no dia 18 de fevereiro em Eisleben. Sua esposa morre em 1552.

www.antunesebd.com | Mackenzie | Original aqui

quarta-feira, outubro 03, 2012

Jesus Morreu por Todos? / R. C. Sproul

Um dos pontos mais controvertidos da teologia reformada tem a ver com o terceiro item de nossa lista de itens do Capítulo Cinco. É a expiação limitada. Este tem sido um tal problema de doutrina que há multidões de cristãos que dizem que abraçar a maioria das doutrinas do calvinismo, mas saem do barco bem aqui.
Referem-se a si mesmos como os calvinistas dos quatro pontos. O ponto que não podem sustentar é a expiação limitada. Freqüentemente tenho pensado que, para ser um calvinista de quatro pontos, é preciso que a pessoa não entenda pelo menos um dos cinco pontos. É difícil imaginar que a pessoa possa entender os outros quatro pontos do calvinismo e negar a expiação limitada. Existe sempre a possibilidade, contudo, da feliz inconsistência pela qual as pessoas sustentam diferentes pontos de vista ao mesmo tempo.

A doutrina da expiação limitada é tão complexa que, para tratá-la adequadamente, seria preciso um volume completo. Nem mesmo dediquei um capítulo inteiro a ela neste volume, porque um capítulo inteiro não lhe faria justiça. Eu pensei em não mencioná-la de todo, porque existe o perigo de que dizer pouco sobre ela seja pior do que não dizer nada. Mas penso que o leitor merece pelo menos um breve resumo da doutrina e assim procederei - com cuidado porque o assunto requer um tratamento mais profundo do que posso conceder aqui.

A questão da expiação limitada tem a ver com a pergunta: Por quem Cristo morreu? Ele morreu por todos ou somente pelos eleitos?

Todos concordamos que o valor da expiação de Cristo foi suficientemente grande para cobrir os pecados de todos os seres humanos. Também concordamos que sua expiação é verdadeiramente oferecida a todos os seres humanos. Qualquer pessoa que coloca sua confiança na morte expiatória de Jesus Cristo certamente receberá os completos benefícios dessa propiciação. Estamos também confiantes de que, qualquer que responde à oferta universal do Evangelho será salvo.

A questão é: Para quem a expiação foi designada?

Deus mandou Jesus ao mundo meramente para tornar a salvação possível às pessoas? Ou Deus tinha alguma coisa mais definida em mente? (Roger Nicole, o eminente teólogo batista, prefere chamar a expiação limitada de Expiação Definida).
Alguns argumentam que tudo o que expiação limitada significa é que os benefícios da expiação são limitados aos crentes que satisfazem as condições necessárias de fé. Isto é, embora a expiação de Cristo fosse suficiente para cobrir os pecados de todos os homens e para satisfazer a justiça de Deus contra todo pecado, ela efetiva a salvação somente para os crentes. A fórmula diz: Suficiente para todos, eficiente somente para os eleitos.

Esse ponto simplesmente serve para nos distinguir dos universalistas, que crêem que a expiação assegurou salvação para todos. A doutrina da expiação limitada vai além disso. Refere-se à questão mais profunda da intenção do Pai e do Filho na cruz. Declara que a missão e morte de Jesus foi restrita a um número limitado  a seu povo, suas ovelhas.
Jesus foi chamado de Jesus porque Ele salvaria seu povo de seus pecados (Mt 1.21). O Bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas (Jo 10.15). Essas passagens são encontradas freqüentemente no Novo Testamento.

A missão de Cristo era de salvar os eleitos. E a vontade de quem me enviou é esta: Que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.39).
Não tivesse havido um número fixo de contemplados por Deus quando Ele designou que Cristo morresse, então os efeitos da morte de Cristo teriam sido incertos. E possível que a missão de Cristo tivesse sido uma tristeza e completo fracasso.

A propiciação de Jesus e sua intercessão são obras conjuntas de seu sumo sacerdócio. Ele explicitamente exclui os não eleitos de sua grande oração sumo sacerdotal: ...não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus... (Jo 17.9). Cristo morreu por aqueles por quem Ele não orou?

A questão essencial aqui diz respeito à natureza da oferta de Jesus. A oferta de Jesus inclui tanto expiação quanto a propiciação. Expiação envolve a remoção que Cristo faz de nossos pecados para fora (ex) de nós. Propiciação envolve uma satisfação pelo pecado perante ou na presença de (pro) Deus.

O arminianismo tem uma oferta que é limitada em valor. Não cobre o pecado dos incrédulos. Se Jesus morreu por todos os pecados de todos os homens, se Ele expiou todos os nossos pecados e propiciou todos os nossos pecados, então todos seriam salvos. Uma oferta potencial não é uma oferta verdadeira. Jesus realmente fez oferta pelos pecados de suas ovelhas.

O maior problema com a expiação definida ou limitada é encontrado nas passagens que as Escrituras usam referentes à morte de Cristo por todos ou pelo mundo todo. O mundo por quem Cristo morreu não pode significar a família humana inteira. Deve referir-se à universalidade dos eleitos (povo de todas as tribos e nações), ou à inclusão dos gentios em acréscimo ao mundo dos judeus. Foi um judeu que escreveu que Jesus não morreu meramente por nossos pecados, mas pelos pecados do mundo todo. Será que a palavra nossos refere-se aos crentes ou aos judeus crentes?

Precisamos nos lembrar de que um dos pontos cardeais do Novo Testamento refere-se à inclusão dos gentios no plano da salvação de Deus. A salvação era dos judeus, mas não restrita aos judeus. Onde quer que seja dito que Cristo morreu por todos, algum limite precisa ser acrescentado, ou a conclusão teria de ser o universalismo ou a mera expiação potencial.
A expiação de Cristo foi real. Ela efetivava tudo o que Deus e Cristo pretendiam dela. O desígnio de Deus não foi e não pode ser frustrado pela incredulidade humana. O Deus soberano soberanamente enviou seu Filho para propiciar pelo seu povo.

Nossa eleição é em Cristo. Somos salvos por Ele, nele e para Ele. O motivo para nossa salvação não é meramente o amor que Deus tem por nós. É especialmente baseada no amor que o Pai tem pelo Filho. Deus insiste que seu Filho verá o trabalho de sua alma e ficará satisfeito. Nunca houve a menor possibilidade de que Cristo pudesse ter morrido em vão. Se o homem está verdadeiramente morto no pecado e preso ao pecado, uma mera expiação potencial ou condicional não somente pode ter acabado em fracasso, como muito certamente teria acabado em fracasso.
Os arminianos não têm razão verdadeira para crer que Jesus não morreu em vão. São deixados com um Cristo que tentou salvar a todos, mas na realidade não salvou ninguém.

Fonte: Eleitos de Deus  R.C. Sproul - Editora Cultura Cristã 2002

www.antunesebd.com | Monergismo | Original aqui