Em 2009,
comemorou-se 500 anos do nascimento de João Calvino. Na ocasião, Franklin
Ferreira escreveu o texto abaixo para desconstruir muitos mitos à respeito
deste reformador. A intenção não é colocar Calvino em um pedestal da perfeição,
mas tirar alguns preconceitos da mente de muitas pessoas, talvez até da sua.
Grande parte da cristandade celebra os 500 anos do nascimento de João
Calvino neste ano. Infelizmente, as imagens populares que se tem do reformador
francês são muitas vezes distorcidas, cercadas por mitos que não representam o
verdadeiro Calvino e seu decisivo ministério de quase 25 anos na cidade suíça
de Genebra. Na tabela abaixo, oferecemos ao leitor um rápido panorama dos
principais mitos construídos em torno de Calvino, e o quadro real que emerge do
estudo sério de sua vida e influência na igreja e sociedade ocidental.
Mito: Calvino inventou a doutrina da
predestinação.
Fato: Entre outros, Agostinho, Anselmo,
Aquino, Lutero e Zwinglio ensinaram e escreveram sobre a doutrina da
predestinação antes de Calvino, enfatizando a livre graça de Deus triunfando
sobre a miséria e escravidão ao pecado.
Mito: A doutrina da predestinação é
central na teologia de Calvino.
Fato: Em seus escritos, especialmente
nos comentários, Calvino trata do tópico quando o texto bíblico exige. E como
alguns eruditos têm sugerido, o tema central de sua teologia parece ser a união
mística do fiel com Cristo.
Mito: Calvino não tinha interesse em
missões.
Fato: Entre 1555 e 1562 um total de
118 missionários foram enviados de Genebra para o exterior – um número muito
superior ao de muitas agências missionárias da atualidade. E os primeiros
mártires da fé evangélica nas Américas foram enviados por Calvino ao Brasil
para encontrar um lugar de refúgio para os reformados perseguidos na Europa e
evangelizar os índios.
Mito: A crença na predestinação
desestimula a oração.
Fato: Calvino escreveu mais sobre a oração
do que a predestinação nas Institutas, enfatizando a oração como um meio de
graça por meio do qual a vontade de Deus é realizada e suas bênçãos são
derramadas.
Mito: Calvino é o pai do capitalismo.
Fato: As forças que moldaram o
capitalismo moderno já estavam presentes na cultura ocidental cerca de 100 anos
antes da reforma. O que Calvino valorizou em seus escritos foi o estudo, o
trabalho, a frugalidade, a disciplina e a vocação como meios de superar a
pobreza. Ele não condenou a obtenção de lucros advindos do trabalho honesto.
Mito: Calvino foi o ditador de
Genebra.
Fato: Ele tinha pouca influência
sobre as decisões acerca do ordenamento civil da cidade e não tinha direito de
voto em decisões políticas ou eclesiásticas no conselho municipal. Sua
influência era persuasiva, por meio de seus sermões e escritos. Em países influenciados
pelo pensamento calvinista não surgiram ditadores, nem nas esferas políticas
muito menos nas eclesiásticas.
Mito: Calvino mandou matar Miguel
Serveto.
Fato: Serveto foi executado por ordem
do conselho municipal de Genebra por heresia, especialmente por negar a
doutrina da Trindade. Ele havia sido condenado pelas mesmas razões por dois
tribunais católicos, só escapando da morte por ter fugido da França.
Inexplicavelmente ele foi para Genebra. No fim, todos os reformadores europeus
apoiaram unanimemente a decisão do conselho de Genebra.
Mito: Os ensinos de Calvino são
social e politicamente alienantes.
Fato: Pode-se ver a influência do
pensamento de Calvino na revolução puritana de 1641 e na primeira deposição e
execução de um rei tirano em 1649, na Inglaterra; no surgimento do governo
republicano (com a divisão e alternância do poder, além de ênfase no pacto social);
na revolução americana de 1776; na libertação dos escravos e na defesa da
liberdade de imprensa.
Mito: Calvino não tinha interesse em
educação.
Fato: Calvino não só inaugurou uma
das primeiras escolas primárias da Europa como ajudou a fundar a Universidade
de Genebra, em 1559. Algumas das mais importantes universidades do ocidente,
como Harvard, Yale e Princeton foram fundadas por influência dos conceitos
educacionais do reformador francês. A imagem permanente associada às igrejas
reformadas é que estas sempre têm uma escola ao lado.
Mito: Os ensinos de Calvino não são
bíblicos.
Fato: Calvino enfatizou fortemente a
autoridade e prioridade das Escrituras e praticamente inaugurou o método
histórico-gramatical de interpretação bíblica. Escreveu comentários sobre quase
todo o Novo Testamento e grande parte do Antigo Testamento, além de milhares de
sermões. E sua grande obra foi as Institutas da Religião Cristã, que seria “uma
chave abrindo caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e
correto das Escrituras Sagradas”. O reformador francês lutou para que toda a
sua cosmovisão estivesse debaixo da autoridade da Bíblia.
Não quero tratar Calvino de forma não-crítica ou iconográfica. Ele era
consciente de suas fraquezas e pecados, e suas muitas orações preservadas dão
testemunho de sua humildade e dependência da graça abundante de Deus em Jesus
Cristo. O que almejo é levar o amado leitor a deixar de lado as caricaturas e
ir direto à fonte, estudando e meditando nas obras de Calvino, reconhecendo-o e
levando-o a sério como mestre da igreja (praeceptor eccleisiae). Os benefícios
de tal estudo serão incalculáveis para sua vida e para aqueles ao seu redor.
Agradeço aos amigos Augustus Nicodemus e Solano Portela por sugestões
acrescentadas a esta tabela.
www.antunesebd.com | Voltemos ao Evangelho | Original aqui
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