O homem
natural é incapaz de "vir a Cristo". Citemos João 6:44, "
Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer." A razão pela
qual "duro é esse discurso", até mesmo para milhares que professam
ser cristãos, é que eles fracassam completamente em compreender o terrível
estrago que a queda provocou; e, o que é pior, eles mesmos não se dão contam da
"chaga" que existe nos seus próprios corações (1 Rs. 8:38).
Certamente se o Espírito já os tivesse despertado do sono da morte espiritual,
e lhes dado ver alguma coisa do pavoroso estado em que estão por natureza, e
feito sentir que suas "mentes carnais" são “inimizade contra Deus”
(Rm. 8:7), então eles não mais discordariam dessa solene palavra de Cristo. Mas
aquele que está espiritualmente morto não pode ver nem sentir espiritualmente.
Onde reside
a total incapacidade do homem natural? Ela não está na falta das faculdades
necessárias. Isso tem de ser bastante enfatizado, do contrário o homem caído
deixaria de ser uma criatura responsável. Mesmo que os efeitos da queda tenham
sido terríveis, eles não privaram o homem de nenhuma das faculdades que Deus
originalmente lhe concedeu. É verdade que o pecado tirou do homem a capacidade
de utilizar essas faculdades corretamente, ou seja, empregá-las para a glória
do Criador. Entretanto, o homem caído possui ainda a mesma natureza, corpo,
alma e espírito, que tinha antes da Queda. Nenhuma parte do ser do homem foi aniquilada,
ainda que cada uma tenha sido contaminada e corrompida pelo pecado. De fato, o
homem morreu espiritualmente, mas a morte não é a extinção do ser (aniquilação)
— morte espiritual é a alienação de Deus (Ef. 4:18). Aquele que é
espiritualmente morto está bem vivo e ativo no serviço de Satanás.
A
incapacidade do homem caído (não regenerado) de vir a Cristo não reside em
nenhum defeito físico ou mental. Ele tem o mesmo pé para levá-lo tanto a um
local onde o Evangelho é pregado, como para caminhar até um bar. Ele possui os
mesmos olhos que podem lhe servir para ler tanto as Escrituras Sagradas como os
jornais. Ele tem os mesmos lábios e voz para clamar a Deus os quais usa agora
em conversas fiadas e em canções ridículas. Assim, também, possui as mesmas faculdades
mentais para ponderar sobre as coisas de Deus e sobre a eternidade, as quais
ele utiliza tão diligentemente nos seus negócios. É por causa disso que o homem
é "indesculpável". É o mau uso das faculdades que o Criador lhe
concedeu que aumenta a sua culpa. Que cada servo de Deus veja que essas coisas
pesam constantemente sobre os seus ouvintes não convertidos.
1) A incapacidade do homem está na sua natureza corrompida.
Nós temos
de ir bem mais a fundo se quisermos encontrar a fonte da incapacidade do homem.
Devido à queda de Adão, e por causa do nosso próprio pecado, a nossa natureza
se tornou tão corrompida e depravada que é impossível para qualquer homem
"vir a Cristo", amá-lO e serví-lO, estimá-lO mais que tudo neste
mundo e submeter-se a Ele, até que o Espírito de Deus o regenere e implante
nele uma nova natureza. A fonte amarga não pode jorrar água doce, nem a árvore
má produzir bons frutos. Deixe-me tentar explicar isso melhor através de uma
ilustração. É da natureza de um abutre alimentar-se de carniça; no entanto, ele
tem os mesmos órgãos e membros que lhe permitiriam comer grãos, como fazem as
galinhas, mas ele não possui nem a disposição nem o apetite para tal alimento.
É da natureza da porca o chafurdar na lama; e apesar dela possuir pernas como a
ovelha para levá-la à campina, lhe falta entretanto o desejo por pastos
verdejantes. Assim acontece com o homem não-regenerado. Ele tem as mesmas
faculdades físicas e mentais que o homem regenerado possui para empregar no
serviço e nas coisas de Deus, mas não tem amor por elas.
"Adão...
gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem" (Gn. 5:3). Que
terrível contraste há aqui com o que lemos dois versículos antes: "...
Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez". No intervalo entre esses dois
versos, o homem caiu, e um pai caído pode gerar somente um filho caído,
transmitindo-lhe a sua própria depravação. "Quem da imundícia poderá tirar
coisa pura? (Jó 14:4). Por isso nós encontramos o salmista de Israel
declarando, "Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha
mãe" (Sl. 51:5). No entanto, apesar de por natureza Davi ser um monte de
iniquidade e pecado (como também somos nós), mas tarde a graça fez dele o homem
segundo o coração de Deus. Desde que idade essa corrupção da natureza aparece
nas crianças? "Até a criança se dá a conhecer pelas suas obras" (Pv.
20:11). A corrupção do seu coração logo se manifesta: orgulho, vontade própria,
vaidade, mentira, aversão ao que é bom, são frutos amargos que cedo brotam no
novo, mas corrupto, ramo.
2) A incapacidade do homem está na completa escuridão em que se encontra o seu intelecto.
Essa importante faculdade da alma foi
destituída da sua glória original, e coberta de confusão. Tanto a mente como a
consciência estão corrompidas: "Não há quem entenda"(Rm. 3:11). O
apóstolo solenemente lembra os santos, "Pois outrora éreis trevas"
(Ef. 5:8), não somente estavam "em trevas", mas eram as própria
"trevas". O pecado fechou as janelas da alma e a escuridão se estende
por todo o lugar: ela é a região das trevas e da sombra da morte, onde a luz é
como a escuridão. Lá reina o príncipe das trevas, onde não se pratica nada além
das obras das trevas. Nós nascemos espiritualmente cegos, e não podemos ter
essa visão restaurada sem um milagre da graça. Esse é o seu caso quem quer que
você seja, se ainda não nasceu de novo" (Thomas Boston, 1680). "São
filhos sábios para o mal, e não sabem fazer o bem" (Jr. 4:22).
"O
pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus,
nem mesmo pode estar"(Rm. 8:7). Existe no homem não regenerado uma
oposição e aversão pelas coisas espirituais. Deus revelou a Sua vontade aos
pecadores no tocante ao caminho da salvação, contudo eles não trilharão esse
caminho. Eles sabem que somente Cristo é capaz de salvá-los, no entanto eles
recusam se separar das coisas que obstruem o seu caminho até a Ele. Eles ouvem
que é o pecado que mata a alma, no entanto o afagam em seu peito. Eles não dão
ouvidos às ameaças de Deus. Os homens acreditam que o fogo há de consumir-lhes,
e estão em grande tormento para evitá-lo; contudo, mostram com suas ações que
consideram as chamas eternas como se fossem um mero espantalho. O mandamento
divino é "santo, justo e bom", mas o homem o odeia, e só o observa
enquanto a sua respeitabilidade é promovida entre os homens.
3) A incapacidade do homem está na corrupção dos seus sentimentos.
“O homem,
no estado em que se encontra, antes de receber a graça de Deus, ama tudo e
qualquer coisa que não seja espiritual. Se você quiser uma prova disso, olhe ao
seu redor. Não há necessidade de nenhum monumento à depravação dos sentimentos
humanos. Olhe por toda parte. Não há uma rua, uma casa, e não somente isso,
nenhum coração, que não possua uma triste evidência dessa terrível verdade. Por
que no Dia do Senhor o homem não é encontrado congregando-se na casa de Deus?
Por que não nos achamos mais freqüentemente lendo nossas Bíblias? O que
acontece para a oração ser um dever quase que totalmente negligenciado? Por que
Jesus Cristo é tão pouco amado? Por que até mesmo os seus seguidores professos
são tão frios em seus sentimentos para com Ele? De onde procedem essas coisas?
Seguramente, caros irmãos, nós não podemos creditá-las a outra fonte que não a
corrupção e a perversão dos sentimentos. Nós amamos o que deveríamos odiar, e
odiamos o que deveríamos amar. Não é outra coisa senão a natureza humana caída
que nos faz amar esta vida mais do que a vida por vir. É um efeito da Queda o
fato do homem amar o pecado mais que a justiça, e os caminhos do mundo mais que
os caminhos de Deus”. (Sermão de C.H. Spurgeon em Jo. 6:44).
Os
sentimentos do homem não regenerado são totalmente depravados e desordenados.
"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente
corrupto" (Jr. 17:9). O Senhor Jesus afirmou solenemente que os
sentimentos do homem caído (não regenerado) são a fonte de toda abominação:
"Porque de dentro do coração do homem, é que procedem os maus desígnios, a
prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, a malícia, o
dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura" (Mc.
7:21,22). Os sentimentos do homem natural estão miseravelmente deformados, ele
é um monstro espiritual. O seu coração se encontra onde deveriam estar os seus
pés, seguro ao chão; seus calcanhares estão levantados contra os Céus, para
onde deveria estar posto o seu coração (At. 9:5). Sua face está voltada para o
inferno; por isso Deus o chama para converter-se. Ele se alegra com o que
deveria entristecê-lo, e se entristece com o que deveria alegrá-lo; se gloria
com a vergonha, e se envergonha da sua glória; abomina o que deveria desejar, e
deseja o que deveria abominar (Pv. 2:13-15) (extraído do Boston’s Fourfold
State).
4) Sua incapacidade está na total perversão da sua vontade.
"O
homem pode ser salvo se ele quiser", diz o arminiano. Nós lhe respondemos,
"Meu caro senhor, nós todos cremos nisso; mas essa é que é a dificuldade —
se ele quiser." Nós afirmamos que nenhum homem deseja vir a Cristo
por sua própria vontade; não, não somos nós que o dizemos, mas Cristo mesmo
declara: "Contudo não quereis vir a mim para terdes vida" (Jo. 5:40);
e enquanto esse "não quereis vir" estiver registrado nas Escrituras
nós não podemos ser levados a crer em nenhuma doutrina do livre arbítrio.
"É estranho como as pessoas, quando falam sobre livre arbítrio, falam de
coisas das quais nada compreendem. Um diz "Ora, eu creio que o homem pode
ser salvo ser ele quiser". Mas essa não é toda a questão. O problema é: é
o homem naturalmente disposto a se submeter aos termos do Evangelho de Cristo?
Afirmamos, com autoridade bíblica, que a vontade humana é tão desesperadamente
dada ao engano, tão depravada, e tão inclinada para tudo que é mau, e tão
avessa a tudo aquilo que é bom, que sem a poderosa, sobrenatural e irresistível
influência do Espírito Santo, nenhum homem nunca será constrangido a buscar a
Cristo." (C.H. Spurgeon).
"Há
uma corda de três pontas contra o céu e a santidade, que não é fácil de ser
rompida; um homem cego, uma vontade pervertida, e um sentimento desordenado. A
mente, inchada pela vaidade, diz que o homem não deve se humilhar; a vontade,
inimiga da vontade de Deus, diz: ele não quer; as emoções corrompidas
levantando-se contra o Senhor, em defesa da vontade corrompida diz: ele não
irá. Assim a pobre criatura permanece irredutível contra Deus, até o dia do Seu
poder, quando é feito nova criatura" (Thomas Boston).
Pode ser
que alguns leitores sejam inclinados a dizer: "ensinamentos como estes
desencorajam pecadores e os levam ao desespero". Nossa resposta é:
Primeiro, eles estão de acordo com a Palavra de Deus! Segundo, esperamos que
Ele se agrade em usar essas verdades para levar alguns a desesperarem-se de
qualquer ajuda que possam encontrar neles mesmos. Terceiro, esse ensino
manifesta a absoluta necessidade da obra do Espírito Santo nessas criaturas
depravadas e espiritualmente impotentes, se algum dia vierem salvificamente a
Cristo. Então, até que isso seja claramente entendido, o Seu auxílio nunca será
realmente buscado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário