segunda-feira, dezembro 27, 2010

Lei criada para gays conquista heteros

Paris - Alguns são divorciados e desiludidos com o casamento; outros são casais jovens com oposição ideológica ao casamento, mas dispostos a aliviar sua carga de impostos a pagar. Muitos são amantes não muito preparados para o matrimônio à moda antiga.
Independente do motivo – e eles variam bastante – os casais franceses estão cada vez mais evitando os casamentos tradicionais e optando por uniões civis. Tanto que hoje são duas uniões civis para cada três casamentos.
Quando a França criou seu sistema de uniões civis em 1999, ela foi anunciada como uma evolução nos direitos dos homossexuais, por ser uma relação semelhante ao um casamento.
Mas ninguém previu como muitos casais fariam uso da nova lei. Nem que, em 2009, a esmagadora maioria das uniões civis seria entre casais de sexos diferentes.
Ainda não está claro se a ideia da união civil, chamada de pacte civil de solidarité, ou Pacs, é uma resposta ou uma causa de mudança nas atitudes sociais. Mas se mostrou notavelmente adequada para a França e suas particularidades envolvendo o casamento, divórcio, religião e impostos – e pode ser dissolvida apenas com uma carta registrada.
“Somos a geração dos pais divorciados”, explicou Maud Hugot, 32 anos, auxiliar do Ministério da Saúde que assinou um Pacs com a namorada, Nathalie Mondot, 33, neste ano. Expressando uma visão que, segundo pesquisadores, está se tornando lugar comum entre casais heterossexuais ou do mesmo sexo, ela acrescentou: “A ideia do casamento eterno ficou obsoleta”.
Tendência
A atratividade das uniões civis para os casais heterossexuais ficou evidente desde o início. Em 2000, apenas um ano depois da aprovação da lei, mais de 75% das uniões civis foram assinadas entre casais heterossexuais. Essa tendência só se fortaleceu: das 173.045 uniões civis assinadas em 2009, 95% foram entre casais heterossexuais.
“Isso tem sido cada vez mais comum”, disse Laura Anicet, 24, estudante que assinou um Pacs em novembro com o namorado de 29 anos, Cyril Reich. “Antes, para mim o Pacs era para casais homossexuais.”
Assim como ocorre com os casamentos tradicionais, as uniões civis permitem que os casais declarem imposto de renda em conjunto, isentam os cônjuges de impostos sobre herança, permitem que os parceiros compartilhem apólices de seguro, facilitam o acesso a permissão de residência para estrangeiros e tornam os parceiros responsáveis pelos débitos um do outro. Realizar uma união civil requer pouco mais que um único comparecimento diante de uma autoridade judicial, e terminá-la é ainda mais fácil.
Há muito tempo se tornou comum falar no verbo se pacser, em francês. Mais recentemente, feiras de casamento foram renomeadas para incluir o Pacs; lojas de departamento agora oferecem vale-presentes para Pacs; e agências de viagens oferecem pacotes de lua de mel depois de um Pacs.
Europa solteira
Embora as parcerias tenham explodido em popularidade, o número de casamentos continua a cair na França, assim como em toda a Europa. Somente 250 mil casais franceses se casaram em 2009, com menos de 4 casamentos para cada mil residentes; em 1970, quase 400 mil franceses se casaram.
A Alemanha também presencia uma queda similar no número de casamentos. Em 2009, houve apenas pouco mais de 4 casamentos para cada mil residentes, em comparação a mais de 7 por mil em 1970. Nos Estados Unidos, o índice atual é de 6,8 casamentos para cada mil residentes, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
A França não é o único país europeu a permitir uniões civis entre casais heterossexuais, mas nos poucos países onde isso é permitido – Luxemburgo, Andorra e Holanda – eles não são tão populares assim. Na Holanda, em 2009, por exemplo, houve apenas uma união civil para cada oito casamentos.
Se a tendência continuar, novas uniões civis logo podem superar o número de casamentos na França, como já ocorre no jovem e diversificado bairro 11ème Arrondissement, em Paris.
Embora os casamentos franceses sejam oficialmente consumados em cerimônias civis realizadas em órgãos públicos, não em igrejas, o casamento ainda é visto aqui como uma “instituição pesada e invasiva”, com laços profundos com o cristianismo, disse Wilfried Rault, sociólogo do Instituto Nacional para Estudos Demográficos em Paris.
“O casamento traz traços do aspecto religioso”, ele disse, muitas vezes uma anátema num país onde o secularismo há muito tempo vem sendo tratado como um princípio sagrado. “É uma inclinação ideológica dizer ‘Ninguém me diz o que fazer’”. Ele notou que uma pesquisa mostra que os níveis de fidelidade eram quase idênticos entre os casais em uniões civis e casamentos tradicionais.
Para alguns, a união civil é apenas uma forma de compromisso pré-matrimonial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário